terça-feira, 20 de setembro de 2011

QUANDO A RELIGIÃO É DEMAIS

Já comentei em alguma história anterior que, durante minha adolescência, pratiquei natação. Comecei a nadar por conta de uma recomendação médica e tomei gosto pelo esporte. O clube em que eu treinava ficava distante da minha casa, era necessário viajar uns vinte e cinco minutos de ônibus para frequentar uma aula de cinquenta minutos, três vezes na semana.

Depois que passei da fase de aprendizado dos quatro estilos, eu e meus colegas fomos “promovidos” à turma de aspirantes a atletas do clube. Começamos a participar de competições internas e a duração dos treinos aumentou, passando a duas horas, três vezes na semana. Nessa fase, éramos observados pelos treinadores do clube para que eles escolhessem os mais talentosos e os colocassem na equipe principal. Vez por outra, um integrante dos aspirantes era convidado a participar de uma competição externa junto com os atletas. Era o teste que poderia nos transformar em atletas do clube ou fechar definitivamente as portas para a carreira de nadador. Todos nós esperávamos ansiosos o dia em que o convite chegaria.

O meu chegou.

Eu e um colega chamado Alexandre fomos avisados que participaríamos de uma competição junto com a equipe principal. O evento ocorreria em algumas semanas e nosso treinador nos motivava dizendo que o sucesso ou o fracasso só dependia do nosso empenho.

Eu e Alexandre aproveitamos as semanas que vieram pela frente para treinar como nunca. Ficávamos na piscina durante a nossa aula e nos estendíamos para aproveitar os minutos de intervalo entre uma aula e outra. Só saíamos da piscina quando a turma seguinte estava na borda olhando para nós de cara feia.

A última semana foi ímpar! A competição era no sábado pela manhã e nós aproveitamos a sexta para um último treino. Participamos do treino anterior ao nosso horário e ficamos para o treino depois do nosso. Nós tínhamos certeza que nosso empenho agradaria nosso treinador.

Finalmente o dia da competição chegou. Eu participaria de duas provas: cinquenta metros nado livre e duzentos nado livre por equipe. Eu me sentia bem, mas depois da primeira prova (os cinquenta metros individuais) fiquei decepcionado com o quinto lugar na minha bateria. Certamente eu não seria classificado para as finais. Entretanto, ainda restava a prova por equipe.

Havia dois integrantes da equipe principal e eu e o Alexandre da equipe de aspirantes. Os atletas abririam e fechariam a prova, por serem mais rápidos, e nós deveríamos administrar e manter o resultado até que o último atleta da equipe ( o mais rápido dos quatro) seria o homem que decidiria a prova.

Foi outro fiasco!

O primeiro da equipe conseguiu fixar a segunda colocação para nós. Alexandre perdeu duas posições e caímos para quarto lugar. Eu mal consegui sustentar a quarta posição e nosso último nadador não conseguiu recuperar as posições que eu e Alexandre perdemos.

Eu estava exausto! Alexandre estava exausto. Mas os dois outros atletas estavam bem. Não conseguíamos entender por que estávamos tão cansados se fazíamos aquelas distâncias com tranquilidade durante os treinos. Foi quando, silenciosamente, cheguei a uma conclusão: Eu treinei demais! Não aguentei a carga a que eu mesmo me impus. O que deveria me aproximar do sucesso como atleta acabou me afastando da chance de entrar para a equipe principal.

Assim é a religião.

Na parábola do bom samaritano, um sacerdote e um levita passam pelo homem ferido e desviam seu caminho para não ter de socorrer aquele necessitado. Ambos estavam impedidos pela lei de se aproximarem de coisas mortas e, caso o homem ferido morresse durante o socorro, os religiosos estariam descumprindo a lei. Era mais “seguro” isentar-se de prestar auxílio do que correr o “risco” de tornar-se infrator da lei.

Para não transgredir a lei, eles preferiram sacrificar a vida daquele pobre homem.

A religião os impediu de exercer a misericórdia. Impuseram a si mesmos um estilo de vida com tantos jugos que não conseguiam mais fazer o que era certo por receio de descumprirem o sistema que eles mesmos haviam lançado sobre seus ombros. Achavam que se empenhando em cumprir a lei agradariam o coração do Pai. O que eles julgavam que os aproximaria de Deus havia impedido o sacerdote e o levita de refletirem a bondade de Deus.

Precisamos nos livrar das amarras da religião para nos aproximarmos, de fato, do evangelho do Senhor Jesus. Ele mesmo nos advertiu:

Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifícios.”(Mt 9:13).

A religião nos desgasta, nos sobrecarrega e nos impede de alcançar o que realmente queremos. O evangelho nos alimenta. Jesus é a palavra, Ele é o pão, Ele é a vida. Nele, não na religião, temos o que é necessário para alcançar o coração do Pai.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Com as capas aos pés

Quando meu filho mais velho estava recém-nascido, precisei ir à cidade vizinha resolver um problema. Como tinha alguma pressa, tomei o primeiro ônibus que passou com destino ao lugar onde eu queria ir. A linha daquele ônibus, passava por um desvio para poder atender a uma comunidade que ficava distante da estrada principal, isso consumia quase uns quinze minutos, mas mesmo assim achei que seria melhor pegar aquele ônibus do que ficar esperando indefinidamente um outro.

Tudo corria bem até que, na saída da tal comunidade a que me referi, um homem ferido e ensanguentado entrou pela porta da frente gritando com o motorista. Ele tinha uma das mãos dentro do casaco, dando a impressão que estaria armado. Os passageiros entraram em pânico. O homem mandou que o motorista fechasse as portas do ônibus e saísse daquele lugar, mas logo em seguida uma pequena multidão cercou o ônibus exigindo que o homem ensanguentado fosse posto para fora. As pessoas de fora do veículo gritavam para que nós ficássemos calmos, que ele não estava armado. Nesse momento, alguns passageiros acionaram as saídas de emergência do ônibus e começaram a saltar pelas janelas. O motorista abriu a porta traseira e os passageiros restantes saíram apressados. Ficaram somente o motorista e o homem ensanguentado.

Algumas pessoas da multidão tentavam invadir o ônibus enquanto outros vociferavam que ele era um ladrão responsável por alguns roubos que vinham acontecendo naquela localidade. O motorista tentou retirar o veículo do local, mas a multidão o impedia. Por fim, o cobrador do ônibus nos levou para um lugar afastado para que pudéssemos prosseguir viagem no próximo ônibus que passasse. O clima ficava cada vez mais tenso. O linchamento daquele homem se tornava cada vez mais evidente. Como não tinha um telefone comigo, perguntei quem teria um para ligarmos para a polícia. Uma das passageiras respondeu que seria mais seguro para nós não interferir. Mesmo assim perguntei novamente se alguém tinha um telefone, mas as palavras daquela mulher encheram o coração dos passageiros de medo. Ninguém emprestou o telefone.

Antes que o pior acontecesse, outro ônibus resgatou os passageiros e, antes de sairmos, ainda pude ver uma ambulância dos bombeiros se aproximando do local onde o homem tinha sido capturado. Não sei o que foi feito dele, mas não creio que ele tenha sobrevivido à fúria daquela multidão.

Isso me incomodou durante muito tempo e me incomoda até hoje. Também me lembrou de um episódio envolvendo Saulo e Estêvão:

E, expulsando-o da cidade, o apedrejavam. E as testemunhas depuseram as suas capas aos pés de um jovem chamado Saulo.” (At 7:58)

Saulo havia se voluntariado a segurar as vestes daqueles que estavam a apedrejar Estêvão em uma atitude de aprovação sobre a decisão daqueles homens. Saulo, veladamente, decidiu apedrejar Estêvão sem lançar nenhuma pedra. Ele simplesmente consentiu.

Minha reflexão hoje me leva a pensar em quantas vezes consentimos na “morte” daqueles que julgamos indignos do Reino.

Quantas palavras liberamos a respeito do suposto trabalho vão das pessoas que tentam resgatar os destruídos por Satanás. Quantas vezes meneamos a cabeça e vaticinamos: “- Não tem jeito!”, quando o assunto é o sujeito moralmente incorreto, a quem alguém tenta insistentemente apresentar as portas do Reino.

Seguramos as capas dos apedrejadores quando nos omitimos sobre os pesados fardos que eles lançam sobre os ombros daqueles que querem a simplicidade do servir a Cristo e, ao mesmo tempo, negam a esses simples o direito de se aproximarem de Jesus e receberem do Mestre o jugo suave que Ele nos garante.

Concordamos com o apedrejamento público daqueles que ousam reconhecer suas falhas e assumir seus pecados condenando-os ao desprezo e esquecendo-nos de que fomos ensinados a perdoar setenta vezes sete, simplesmente por não lembrarmos aos apedrejadores que a misericórdia vale mais que o sacrifício.

Vivemos com muitíssimas capas aos nossos pés. Entretanto, dormimos tranquilos porque não foram nossas mãos que lançaram as pedras.

Que o Senhor tenha misericórdia de nós.

sábado, 27 de agosto de 2011

Por algumas carambolas


Na rua em que eu morava com minha família havia muitas outras crianças além de mim, meu irmão e meus primos. Nós brincávamos muito, particularmente, com dois irmãos que moravam quase de frente para a nossa casa. Eles eram filhos de um casal que viera de Minas Gerais havia quase tanto tempo quanto a minha família materna tinha vindo do Nordeste.

Eles eram muito simpáticos e sempre havia outras crianças no seu portão chamando seus filhos para brincar. O casal era tão receptivo que o portão de sua casa ficava aberto quase todo o tempo e nós tínhamos o hábito de entrar e chamar os meninos da varanda da casa (que ficava quase na metade do comprimento do terreno, cerca de quinze metros do portão). Outro detalhe que me vem à memória é o pé de carambola que ficava de frente para a varanda.

Esta árvore era relativamente pequena em altura, a ponto das frutas ficarem ao alcance de nossas mãos sem que precisássemos subir em seus galhos. Quando era época dessas frutas, o aroma das carambolas podia ser sentido do portão da casa deles.

Em uma das vezes que passei por esse aromático portão, fui atraído pelo apelo das carambolas. Entrei, encostei o portão, fui até a varanda e perguntei à dona da casa se poderia colher algumas frutas. Ele respondeu positivamente e me deixou à vontade e retornou a seus afazeres. Colhi as frutas que meus braços alcançaram, mas havia algumas que estavam um pouco mais acima que estavam incrivelmente atraentes. O esforço para pegá-las seria mínimo e subi em uns galhos para chegar até elas. Foi então que me dei conta de um obstáculo: uma colmeia de marimbondos estava no meu caminho. Mesmo diante dos pequenos adversários não me intimidei e prossegui em direção ao meu objetivo. Os marimbondos fizeram uns voos de advertência ao meu redor mas não me ferroaram. Colhi as carambolas e desci da árvore.

Quando estava na segurança do solo decidi me vingar dos meus alados agressores pela afronta que me tinham feito e atirei uma pedra contra a colmeia. Nunca desejei tanto que minha pontaria falhasse como naquele dia! O tiro de pedra foi certeiro e, em segundos, uma pequena nuvem negra de insetos se formou voando na minha direção. Sem pensar muito, corri em direção ao portão e, enquanto o abria, senti uma única ferroada na parte de trás do meu ombro. A dor foi inversamente proporcional ao tamanho daquele bicho e um enorme calombo se formou no local. Fiquei ainda alguns dias sentindo o reflexo daquela ferroada e minha memória jamais me permitiu fazer tal asneira novamente.

Muitas vezes nossa atitude em relação ao pecado é muito parecida com a minha atitude com os marimbondos: geralmente nos aproximamos dele sem nos dar conta, visando algo que satisfaça nossas “necessidades” físicas ou emocionais. Somos sondados pelo pecado e, a princípio, nos afastamos assustados; mas, depois de alguns flertes com ele sem sofrermos consequências, ficamos cheios de confiança e passamos a acreditar que somos inatingíveis e, nesse momento, o pecado nos ferroa impiedosamente e nos damos conta de seu poder destruidor.

Todos nós, em maior ou menor escala, já experimentamos a dor do pecado, já amargamos a consequência impiedosa de seu ataque e já nos perguntamos por que caímos em sua cilada. Saber que a natureza pecaminosa está em nós não traz o consolo desejado nem nos alivia a alma. Um pecador cercado pela nuvem do pecado sempre o sentirá ameaçadoramente perto. Diante disso, que fazer?

Nessa hora tudo o que se pode dizer a alguém atormentado pelo peso de saber que errou é de pouca valia. Somente algumas poucas (mas preciosas) palavras têm, de fato o poder restaurador que um pecador precisa:

Se confessarmos os nossos pecados, ele (Jesus Cristo) é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1Jo 1:9)

Não é o que dizemos ao pecador arrependido que o liberta, antes, é o que ele está disposto a dizer ao Senhor Jesus que fará a diferença entre permanecer com a dor das ferroadas ou provar apenas o doce sabor dos frutos do perdão.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Três moedinhas


Eu devia ter mais ou menos uns cinco anos.

Minha mãe cuidava de nós quase que vinte e quatro horas por dia. Entretanto, quando era necessário, ela sempre pedia ajuda a uma das minhas tias e eu ficava muito contente quando a tia com quem eu ficaria era a Tia Maria.

Não era só pelo fato de ela ser a mais paciente, mas ela era a irmã mais velha da minha mãe e tinha três filhas já adolescentes que inventavam brincadeiras pra me distrair e contavam histórias de uma pequena enciclopédia infantil (que eu particularmente gostava muito) o que tornava minha estadia na casa muito mais agradável que quando eu ficava com as outras tias.

Esqueci-me de dizer que, nessa época, minha tia e meu tio Gilvan (assim como meus pais) ainda trabalhavam como feirantes. Ele vendia frutas e legumes e ela vendia salgadinhos ao lado da barraca dele. Como feirantes, eles lidavam com um volume razoável de dinheiro de pequeno valor (que aos olhos de uma criança parecia uma fortuna!) e era muito comum ter moedinhas por cima dos móveis da casa dela.

Em uma das inúmeras vezes em que fiquei sob os cuidados da Tia Maria, encontrei várias moedas sobre um dos móveis e achei que não teria mal nenhum se eu ficasse com algumas, afinal, eram tantas que ela nem daria falta. Assim eu fiz e, como eu disse, ninguém percebeu a falta das moedas.

Fui desmascarado quando voltávamos para casa e meu irmão pediu para minha mãe comprar alguma coisa e ela respondeu que estava sem dinheiro. Prontamente, eu disse:

- Eu tenho dinheiro!

Minha mãe, muito intrigada, perguntou onde eu havia encontrado dinheiro e eu respondi:

-Peguei na casa da Tia Maria! Ela tinha um montão!

Minha mãe me explicou que eu não poderia pegar nada sem pedir antes e disse que o que eu havia feito era errado e se chamava roubo. Ela ainda me fez guardar as moedas até a próxima ida até a casa da minha tia para devolvê-las acompanhadas de um pedido de desculpas.

Quando o dia chegou, parei na frente da Tia Maria com aquelas três moedinhas na minha mão fechada e disse, abrindo a mão e revelando meu erro:

- Aqui, tia, as moedinhas que eu roubei da senhora.

É claro que eu fiz isso chorando e me abracei com ela.

Tia Maria, pacientemente, disse que não tinha problema. Que aceitava minhas desculpas e que eu até poderia ficar com as moedinhas. Olhei para minha mãe e percebi seu olhar me autorizando a aceitar o presente.

Minha tia achou a disciplina da minha mãe um pouco exagerada, mas era o jeito dela de ensinar e resolver os problemas do nosso dia a dia.

Entretanto, hoje percebo que, mais que me ensinar a não roubar, minha mãe estava me ensinando um princípio da Palavra de Deus:

Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1Jo 1: 9).

Talvez, sem se dar conta, minha mãe me ensinou que apenas quando reconhecemos nossos erros estamos nos candidatando ao perdão.

Muitas pessoas têm ficado presas aos erros do passado pelo simples fato de não admiti-los como erros. Certamente que o temor em seus corações é a possibilidade de não receberem o perdão das pessoas que magoaram, o receio é que a dor das consequências suplantem os benefícios de um coração em paz.

Ainda mais grave que não conseguir pedir o precioso perdão a outro ser humano é achar que Deus nos tratará como um tirano enfurecido incapaz de ser compassivo com alguém que cometeu uma falha. Esquecemos que Ele é um pai amoroso e completamente fiel ao que diz:

O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia” (Pv 28:13)

Deus me fez ver através do amor da minha tia que Ele, o Pai, que me ama infinitamente mais que qualquer pessoa jamais poderá me amar, tem Seu coração inclinado a liberar seu perdão gratuitamente a todos os que se arrependem e têm o coração quebrantado.

Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo.” (1Jo 2: 1)

sábado, 6 de agosto de 2011

ELETRICIDADE, TRIGO E MUITA CRIATIVIDADE


Na infância meus primos e tios me chamavam de cientista maluco, dada a natureza de algumas “brincadeiras” das quais eu gostava. Eu me lembro de perder horas catando folhas das árvores que estavam no quintal e macerando e misturando seus sumos para tentar “fabricar” perfume.

Lembro também que os documentários sobre ciência ou vida animal que eu assistia na TV me davam ideias para novas “experiências”. Certa vez eu tentei fabricar um anestésico de formigas a base de folhas de caju depois de ter visto uma tribo da Amazônia fazer isso. Funcionou, mas não teve muita graça.

Minha inclinação e criatividade para essas brincadeiras eram tantas que, num certo natal, ganhei de uma tia um brinquedo chamado “O pequeno químico” (um kit de tubos de ensaio, produtos químicos e um livrinho com as experiências que poderiam ser feitas).Até aí, nada demais.

Meu apego pela ciência começou a ficar perigoso quando li no meu livro de ciências sobre o eletroímã. Havia uma figura ilustrando a explicação em que um fio estava enrolado ao redor de um objeto metálico e ligado a uma fonte de eletricidade. Como sempre, me pus a fazer o experimento. Consegui o fio em um quartinho de ferramentas dos meus tios e o objeto metálico disponível era uma peça de uma velha bicicleta desmontada. Como a peça tinha o formato de algo semelhante a “meio corpo” , decidi incrementar o experimento construindo a outra metade do corpo do boneco. Ajudado por um primo mais novo que eu, enrolei pacientemente o fio ao redor do corpo daquela criatura metálica e desencapei duas pontas para ligar na tomada da varanda. Na hora de conectar os fios, meu primo me chamou a atenção para calçar umas sandálias de borracha. Quando encostei os fios na tomada, só me lembro de um clarão na altura do meu rosto e da minha mãe (já certa de que era uma travessura minha) gritando da cozinha:

- Garoto!

Em seguida ela apareceu na porta, quando a vi, olhei para meu primo-cúmplice (que rolava no chão da varanda de tanto rir) e corri para escapar das chineladas que estavam por vir. Curiosamente minha mãe não disciplinou com vara nessa ocasião, mas levei uma bronca dela e ,pior, uma do meu pai por ter colocado a segurança de nossa casa em risco. Anos mais tarde minha mãe confessou que não me deu uma surra por ter visto meu rosto pálido de pavor pela besteira que acabara de fazer. Ela concluiu que eu tinha aprendido a lição.

Esse episódio fez com que minha reputação de cientista maluco durasse mais alguns anos, correram até boatos de que minha intenção era fazer a “criatura metálica” andar. Volto a afirmar, eram só boatos.

Minha criatividade saiu arranhada depois disso. Arranhada, não destruída!

Outro dia, lendo o livro dos Juízes, inevitavelmente me detive na narrativa de Gideão e ouvi o Espírito Santo me falando suavemente:

- Que sujeito criativo!

Muito me intrigou aquela revelação, pois sempre havia nutrido por Gideão a imagem de um homem corajoso, um excelente estrategista. Nunca havia pensado nele como alguém criativo. Fui investigar a passagem em que Deus se apresenta a Gideão:

Então o anjo do Senhor veio, e sentou-se debaixo do carvalho que estava em Ofra e que pertencia a Joás, abiezrita, cujo filho Gideão estava malhando o trigo no lagar para o esconder dos midianitas. Apareceu-lhe então o anjo do Senhor e lhe disse: O Senhor é contigo, ó homem valoroso.” (Jz 6: 11 – 12).

Deus me chamou a atenção para a palavra “valoroso”. No texto hebraico essa palavra corresponde a “Chayil”, que significa “homem de diferentes recursos”. Passei a olhar para Gideão procurando ver nele a criatividade que Deus havia visto. E encontrei.

Quando todo o seu povo se escondia em cavernas por medo dos inimigos midianitas, Gideão salvava o trigo que podia malhando-o em um lagar (o último lugar em que os midianitas procurariam por trigo). Uma ideia, no mínimo, criativa.

Após receber do Senhor a ordem de libertar o povo da opressão inimiga, Gideão consegue reunir um exército numeroso, mas Deus, criativamente, o manda selecionar o povo:

E Gideão fez descer o povo às águas. Então o Senhor lhe disse: Qualquer que lamber as águas com a língua, como faz o cão, a esse porás de um lado; e a todo aquele que se ajoelhar para beber, porás do outro.” (Jz 7: 5).

Um método curioso de se escolher um exército, porém Gideão não o questiona. Só uma pessoa que pensa criativamente, entende a criatividade do Senhor.

Por fim, a estratégia usada para vencer os midianitas não pode ser chamada de convencional. Seguro em Deus que a vitória seria sua, Gideão pode soltar a criatividade e crer que ganharia a batalha sem perder um só soldado, sem brandir uma só espada. Como toda pessoa criativa, ele se vale dos recursos ao seu redor. Seus trezentos homens estavam acampados nos montes acima dos midianitas, uma posição que os favorecia, mas, com trezentos homens, não os levaria à vitória. Deus deixou Gideão à vontade para usar uma estratégia criativa:

Então dividiu os trezentos homens em três companhias, pôs nas mãos de cada um deles trombetas, e cântaros vazios contendo tochas acesas, e disse-lhes: Olhai para mim, e fazei como eu fizer; e eis que chegando eu à extremidade do arraial, como eu fizer, assim fareis vós. Quando eu tocar a trombeta, eu e todos os que comigo estiverem, tocai também vós as trombetas ao redor de todo o arraial, e dizei: Pelo Senhor e por Gideão!” (Jz 7: 16 – 18)

Gideão esperou a hora da troca da guarda (um momento tenso para quem está em guerra) e usou sua posição privilegiada para aterrorizar os midianitas com trezentas trombetas sendo tocadas ao mesmo tempo e as luzes de trezentos homens enfileirados (aparentemente descendo dos montes). Certamente os inimigos acreditaram que as três fileiras de cem homens descendo a montanha traziam atrás de si outros milhares, pois o som de trezentas trombetas tocadas no alto de um monte produziriam um efeito acústico ensurdecedor no fundo do vale.

Os filhos de Israel saíram vitoriosos porque Deus criou as condições para que um homem pudesse usar o que havia de melhor em si. Os recursos para libertar o povo já estavam nas mãos de Gideão. Deus disse a ele: “Vai nesta tua força...”, ou seja, a criatividade necessária para vencer já estava dentro dele. Deus despertou o melhor em Gideão e garantiu sobrenaturalmente a vitória.

Isso me faz crer que Deus nos quer atentos a oferecer a Ele nossas melhores qualidades, nossos dons, nossos talentos; mesmo que isso nos traga riscos, seja o medo de um inimigo que nos cerca ou o risco de um choque elétrico.

sábado, 30 de julho de 2011

Um jumento de ossos fortes


Eu estava no meio de uma aula na quinta série (atual sexto ano) do ensino fundamental quando uma inquietação tomou conta de mim. Eu não me sentia à vontade sentado em minha cadeira e aquela sensação não melhorava quando eu me punha de pé. A hora de ir para casa parecia não chegar. Quando tive de descer as escadas da escola para ir em direção ao ponto de ônibus, pude perceber que meu incômodo era uma dor aguda na coluna. Eu não conseguia me lembrar de nada que tivesse feito na escola que pudesse justificar tamanha dor. Não havia sido dia de educação física e eu também não havia me metido em nenhuma brincadeira que tivesse causado uma queda ou contusão. Sem entender o motivo da dor, fui para casa.

O caminho foi particularmente cruel. A viagem durava quase meia hora, mas, naquele dia, o tempo parecia não se mover (diferentemente do ônibus, que parecia se mover pra cima, pra baixo e para os lados mais do que nos outros dias). Depois que desci do transporte, ainda tive de andar cerca de duzentos metros até minha casa. Em todo esse tempo, a dor aumentava.

Quando cheguei em casa, queixei-me com minha mãe da dor, ela (achando que aquilo era o resultado de mais uma manhã de brincadeiras físicas) me disse para deitar e descansar um pouco que eu melhoraria. De fato, quando me deitei, a dor diminuiu, mas voltava cada vez que eu me levantava ou mesmo ficava sentado. Preocupada, minha mãe me levou na manhã seguinte a um médico.

Após me atender, o médico pediu uma radiografia para ter mais informações. Quando ele nos chamou novamente para informar o resultado do exame notei algo estranho no “desenho” da minha coluna: ela se parecia com uma letra “S”! O médico disse que eu estava com um desvio acentuado na coluna e que aquilo era a causa da dor que eu estava sentindo. Receitou um analgésico e recomendou que minha mãe me levasse a um especialista.

Na consulta com o novo médico, ele deu um diagnóstico mais preciso: escoliose dorso-lombar (ou coluna em forma de “S”, como eu passei a explicar para quem perguntava). De imediato, ele recomendou que eu parasse de participar das aulas de educação física na escola. Receitou novos remédios e me encaminhou para sessões de fisioterapia por um período indeterminado.

Naquela idade, eu estava começando a me interessar por música e tinha um desejo muito grande de aprender a tocar guitarra. Quando comentei isso em uma das consultas, o médico que acompanhava o tratamento disse que eu teria de esperar, pois o peso do instrumento sobre os ombros poderia agravar o desvio. Perguntei então se era possível trocar a guitarra pelo violão. Mais uma vez, a preocupação dele com a minha postura o levou a me proibir qualquer aula de violão ou guitarra. Outra vontade que eu alimentava era a de começar a treinar judô. Nem preciso dizer qual foi a resposta do médico quando mencionei que queria praticar um esporte em que as quedas e as pancadas na coluna são uma constante. Ele me disse que meu caso necessitava de tantos cuidados para que eu não fosse obrigado a usar um colete ortopédico (ideia que me aterrorizava), daqueles que fazem a criança andar como um robô. Restou-me de consolo a recomendação de praticar natação. Esporte que passei a gostar e que me rendeu até algumas medalhas.

Mas a guitarra e o judô não me saíam da cabeça.

Certo dia, eu estava esperando o atendimento na fisioterapia e uma senhora de meia idade sentou-se ao mau lado. Ela era muito simpática e puxou conversa sobre o porquê de um garoto estar ali no meio de tantas pessoas de idade avançada. Expliquei a ela o motivo do meu tratamento, o que eu estava proibido de fazer e ela me fez uma pergunta:

- Você acredita que Jesus pode te curar?

Imediatamente pensei que ela estava doida, afinal ela também estava fazendo um tratamento na coluna. Prontamente devolvi a pergunta:

- E a senhora, acredita que Ele pode te curar?

Com um sorriso ela disse que era natural uma mulher da idade dela sentir o avançar da idade, mas que Jesus não tinha planejado aquilo para minha vida e que Ele queria me curar.

Passei a achar que ela estava doida mesmo e tentei encerrar a conversa respondendo educada, mas firmemente:

- Senhora, eu acho que Jesus tem coisas mais importantes a fazer do que se preocupar com a minha coluna!

Sem se incomodar nem um pouco com a minha resposta, ela perguntou se podia orar por mim mesmo assim. Eu respondi que sim e ela perguntou meu nome e logo depois eu fui chamado para a minha sessão de tratamento. Nunca mais encontrei aquela mulher na clínica.

Quando isso aconteceu, já havia se passado quase três anos de tratamento e os progressos eram pequenos. As dores diminuíram, mas a coluna continuava torta. A cada radiografia a imagem era sempre a mesma. Porém uma coisa diferente aconteceu: um amigo meu de infância ganhou um violão da sua mãe, mas não tinha inclinação nem vontade de aprender o instrumento. Perguntei se ele poderia deixar o violão comigo por “alguns dias” para eu ver se seria muito difícil tocá-lo. Ele concordou e levei o instrumento para casa.

Curiosamente, minha coluna não doía quando eu estava praticando violão e depois de algum tempo percebi que eu não sentia mais as dores. Nesse mesmo período, meu irmão mais velho começou a trabalhar em uma empresa e não poderia mais ajudar meu pai nas entregas que ele fazia. Assumi então o lugar do meu irmão e o trabalho consistia, em vários momentos, em carregar peso ou fazer força. Nem assim a minha coluna doía!

Aos quinze anos me tornei aprendiz de mecânico na mesma empresa que meu irmão trabalhava e a profissão exigia muito esforço físico. Mesmo assim, minha coluna não doía!

Contrariando o médico, comecei a treinar judô três vezes na semana. Ainda assim, minha coluna não doía!

Para preencher os dois dias que sobravam na semana, passei a praticar musculação e (adivinha!) minha coluna não doía nem um pouquinho.

No ano seguinte conheci um amigo nesse curso de aprendizes e junto com um outro amigo de infância montamos uma banda em que, a princípio, eu tocava contrabaixo (consideravelmente mais pesado que a guitarra!).

Depois de adulto e já casado, minha esposa, ao me ver ajudando meu sogro em diversos trabalhos pesados de construção me disse:

- Você parece Issacar, um jumento de ossos fortes.

A princípio, olhei de soslaio e não entendi que era um elogio (se soubesse, teria dito que ela era tão formosa quanto as éguas de Faraó, como dito em Cantares), depois ela me mostrou o texto bíblico:

Issacar é jumento forte, deitado entre dois fardos.” (Gn 49:14)

Era a bênção que Jacó estava derramando profeticamente sobre seu filho. O que ele faria dali por diante seria responsabilidade do próprio Issacar, mas uma verdade ninguém poderia roubar dele era que ele era capaz daquilo que muitos não suportariam sem se cansar.

Tempos depois que minha esposa me disse isso, me lembrei da mulher que se dispôs a orar por mim ainda na adolescência. Tenho plena convicção, hoje, que foi a mão do Senhor Jesus que operou a cura em meus ossos da coluna. E Deus é tão amoroso que, desde que me converti, tenho tido a oportunidade de orar por pessoas doentes e vê-las sendo curadas pelo poder de Deus.

Percebi com toda essa experiência que Jesus, realmente, tinha coisas mais importantes para se preocupar do que com a minha coluna: Ele se preocupou com a minha alma e me deu de presente uma coluna de ossos fortes como os de um jumento.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sobre Raízes


Tenho muitos tios e muitas tias.

Devido à proximidade com a família da minha mãe, conheço a maioria dos meus tios maternos. Um desses tios (um dos últimos que conheci) é o tio Antônio. Ele, hoje, deve ter uns setenta anos de idade ou mais, porém, quando o conheci na minha infância, ele devia ter por volta de cinquenta anos e estava em pleno vigor físico (pelo fato de ter sido militar). Mesmo após mais de vinte anos sem vê-lo, lembro-me da sua voz nitidamente: um vozeirão grave e em um tom alto (característico do pernambucano legítimo!) que fazia qualquer um acreditar que ele estava de mau humor o tempo todo, mas era só aparência. Ele era um barulhento e bem humorado tio.

Em uma de suas vindas ao Rio de Janeiro para nos visitar, meu tio Antônio trouxe um pacote enorme de castanhas e vários pacotes de frutas típicas do nordeste, dentre as quais uma que eu não conhecia, a siriguela.

Era uma frutinha um pouco maior que uma uva e com a aparência de um cajá em miniatura, entretanto o sabor não é parecido com nada que eu já provei antes. Fiquei tão encantado com aquela frutinha tão saborosa que quis plantá-la no quintal em que morávamos. Minha tia gostou da ideia e, no pouco espaço de terra que havia sobrado no terreno, me ajudou a plantar as sementes que eu havia guardado.

Foi grande a minha decepção ao ver, depois de alguns anos, que a árvore da siriguela não tinha ultrapassado um metro de altura. Durante os anos seguintes que ainda morei no mesmo terreno que minha avó e minhas tias, aquela árvore pareceu não crescer nenhum centímetro.

Quando a casa da minha família ficou pronta, nos mudamos para o terreno ao lado e continuei insistindo na ideia de ter um pé de siriguela no quintal. Levei um galho da planta que minha tia tinha me ajudado a plantar e plantei no novo lugar, mais amplo e, acredito, em um solo mais fértil. A diferença foi evidente: A árvore cresceu rapidamente e alcançou a altura do sobrado que havia do lado da minha casa, mas, curiosamente, não deu as frutas que eu tanto esperava.

Quatro anos se passaram e nenhuma fruta nasceu naquela árvore bonita e frondosa. Estávamos a ponto de desistir e cortá-la para dar lugar a uma nova construção quando, surpreendentemente, as siriguelas começaram a crescer. Depois de alguns meses, a produção daquela planta foi tão intensa que me lembro de ter dividido as frutas com as minhas tias que moravam ao lado, com alguns vizinhos, e eu ainda levei algumas para os meus colegas de escola. Saciei a vontade de comer aquelas frutas tão esperadas.

Curiosamente, nossa árvore de siriguela nunca mais frutificou e tivemos que arrancá-la para dar lugar a uma construção.

A Palavra de Deus fala de uma parábola em que o dono de uma propriedade pede a seu empregado que retire uma planta que ocupa a terra inutilmente:

E passou a narrar esta parábola: Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha; e indo procurar fruto nela, e não o achou. Disse então ao viticultor: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho; corta-a; para que ocupa ela ainda a terra inutilmente? Respondeu-lhe ele: Senhor, deixa-a este ano ainda, até que eu cave em derredor, e lhe deite estrume; e se no futuro der fruto, bem; mas, se não, cortá-la-ás.” (Lc 13:6-9).

Na parábola, o empregado se compromete a cavar ao redor da planta e a adubá-la. Duas coisas me chamam a atenção nas atitudes desse empregado: cavar ao redor significa ter as raízes expostas, significa admitir diante de Deus que nosso pecado, aquilo que nos impede de crescer e frutificar, está localizado no lugar mais íntimo do nosso coração. Ter as raízes expostas representa a instabilidade da planta, o limite entre a morte e a possibilidade de restauração das raízes. Quantas vezes rejeitamos o tratamento que o Senhor Jesus nos oferece porque não confiamos que a exposição necessária diante de Deus é o caminho da cura. Nossa mente nos leva a acreditar que a exposição de nossos pecados diante do Pai vai nos causar mais ruína. O inimigo de nossas almas usa dois sentimentos bem conhecidos por nós para nos manter escravos dos pecados guardados em nossas raízes: o orgulho e a soberba.

No momento em temos que decidir entre aceitar o tratamento que o Espírito Santo nos oferece amorosamente ou continuarmos enraizados no pecado, Satanás trabalha nesses dois sentimentos: o orgulho de não querermos parecer fracos diante dos nossos irmãos, diante dos nossos líderes (ou de nossos liderados!) e a soberba de não admitirmos que nosso pecado seja tão destrutivo a ponto de nos tornar infrutíferos. Nessas horas é mais fácil culpar o diabo, a igreja, o pastor e os irmãos do que admitir que nossa infertilidade é culpa dos pecados guardados em nossas raízes.

A outra disposição do empregado que me chama a atenção é a de adubar as raízes. O esterco não é, nem de longe, uma coisa agradável. Seu cheiro incomoda, sua aparência é repugnante, porém não existe nada mais saudável para uma planta doente como o esterco. O Senhor muitas vezes quer nos tratar em nossas raízes, mas ficamos inseguros em aceitar o tratamento porque nos parece desagradável demais, rígido demais, cruel demais. Esquecemos que Ele é o Pai amoroso que nos quer limpos, livres e ao seu lado. Por mais duro que pareça o tratamento, Deus sabe o que é necessário e libertador e também sabe os nossos limites e nossa estrutura.

Quando aceitamos que o Senhor Jesus cave ao nosso redor, deite o nutriente necessário somos restaurados e ficamos prontos a frutificar a trinta, a sessenta e a cem por um. Porém, mais importante que o nosso próprio frutificar é sair enriquecido pela experiência de ter sido cuidado e protegido pelo próprio Deus.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

De Ouvido


Sempre admirei as pessoas que aprendem coisas sozinhas.

Desde muito pequeno prestava atenção na minha mãe confeitando bolos e achava incrível como ela, sem nunca ter feito nenhum curso ou treinamento naquilo, conseguia criar bolos do jeito que as pessoas lhe encomendavam ou do jeito que lhe mostravam nas revistas que exibiam decorações de festas de aniversário. Era simplesmente fascinante ver que ela fazia aquilo só prestando atenção nas coisas ou vendo as receitas pela televisão.

Mais admirável ainda foi um senhor que conheci ainda na minha infância. Não sei ao certo se seu nome era mesmo aquele, mas as pessoas o chamavam de Sr. Gentil e, como o nome sugeria, ele era uma pessoa muito agradável de se estar perto. Deixe-me contar por que ele aparece nesta história.

Minha família era tradicionalmente católica, então, a primeira formação religiosa que nós recebemos foi a católica. Eu, meu irmão e minhas primas frequentávamos uma comunidade de base, muito frequentes nas décadas de setenta e oitenta pela escassez de padres. Nessas comunidades os “leigos” assumiam funções delegadas pelos representantes da paróquia e o padre (que só tinha como acompanhar a comunidade, às vezes, quinzenalmente) resolvia os assuntos pendentes que fugiam ao poder de decisão dos paroquianos.

Em um ambiente em que as pessoas tinham que se ouvir mutuamente era comum que todos fossem convidados a opinar e nas celebrações em que o padre não estava presente os próprios paroquianos se encarregavam da pregação da Palavra. Alguns dos palestrantes abriam espaço para que outras pessoas presentes pudessem compartilhar aquilo que lhes tinha sido mais importante. Sempre que isso acontecia, o Sr. Gentil pedia para participar.

Ele era um homem de uns cinquenta anos (mas aparentava ter muito mais por causa da dura vida de agricultor que levava no interior), de semblante calmo e sorridente. Seu visual era muito parecido com as representações que os comediantes costumam fazer das pessoas do campo: camisa xadrez, calças dobradas na altura da bainha, barba sempre por fazer e um sotaque característico de um brasileiro interiorano.

Como eu ia dizendo, Sr. Gentil sempre gostava de compartilhar o que havia entendido da leitura da Palavra, ou melhor, das Palavras. Eu explico: nas celebrações eram lidos três textos da bíblia e mais um salmo. A primeira leitura sempre era um texto do antigo testamento, geralmente um profeta maior; a segunda leitura era um texto do novo testamento, frequentemente uma das epístolas de Paulo e a terceira leitura era, invariavelmente, uma passagem dos evangelhos. Quando o pregador da celebração fazia o convite às pessoas que gostariam de falar à igreja, o Sr. Gentil aguardava sua vez pacientemente e dava algumas palavras sobre a primeira leitura, depois sobre a segunda leitura e sobre o evangelho. Até aí não há nada de admirável, e não seria mesmo se não fosse o fato de que ele era completamente analfabeto (ou como ele mesmo dizia, sem leitura nenhuma).

Quando soube que o Sr. Gentil não sabia ler, passei a observá-lo: durante as leituras da Palavra ele fechava os olhos e parecia estar dormindo, entretanto ele era capaz de elaborar um breve esboço de cada uma das passagens mencionando de qual leitura era extraído o comentário que estava fazendo. Ainda criança, aquilo me causava uma admiração tão grande que uma vez perguntei a ele como ele conseguia fazer tal coisa. Sua resposta foi tão simples quanto sua maneira de explanar os comentários da Palavra: Eu só ouço e presto atenção!

Ele simplesmente ouvia com atenção. Ele aprendia pelo ouvir.

Daquele dia em diante, passei a dar mais valor ao que era lido e pregado e, com isso, a minha curiosidade sobre a Palavra de Deus aumentou e tive que ler a Bíblia para saciar a minha “curiosidade” e passei a entender verdades que me conduziram, na idade adulta, a um encontro verdadeiro com Jesus Cristo. Entretanto as duas passagens que mais me constrangeram a tomar minha decisão de me converter ao Senhor Jesus foram Rm 10: 17 e Tg 1:23-25.

a fé é pelo ouvir e ouvir a Palavra de Cristo

Pois se alguém é ouvinte da palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem que contempla no espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era. Entretanto aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra, este será bem-aventurado no que fizer.”

Quando nos tornamos ouvintes atentos da Palavra, descobrimos as verdades da lei perfeita da liberdade, entendemos que só em Jesus há a verdadeira vida e aprendemos o caminho para um novo tipo de relacionamento com Ele: o ouvir da voz do próprio Deus em nosso coração.

domingo, 10 de julho de 2011

DE VIDEOGAMES A PRINCÍPIOS


Sempre gostei de vídeo games.

Desde pequeno, quando só havia o Atari 2600, eu, meu irmão e meus primos, passávamos muitas horas nos divertindo. Megamania, Sea Quest, River Raid, Pittfall e muitos outros jogos (que só fazem sentido para quem tem mais de trinta anos) foram os motivos dessas horas felizes. Mas o tempo passou e deixei a diversão um pouco de lado para dar lugar às responsabilidades (que chegaram cedo!).

Depois de adulto, comprei o meu primeiro computador e descobri que os jogos para PC eram muito melhores que os jogos do velho Atari 2600. Como o dinheiro era curto e não me permitia comprar os lançamentos, passei a comprar revistas sobre jogos que traziam CD’s ou com versões de demonstração ou com o jogo completo. De uma forma ou de outra, eu matava a saudade dos jogos da infância.

Pouco tempo depois (e com alguns trocados a mais no salário), pude comprar jogos que estavam em promoção. Comprava um jogo a cada três ou quatro meses e me divertia muito nos poucos minutos que tinha disponível entre um turno de trabalho e outro. Nessa época, um tipo de jogo pelo qual tive uma predileção evidente foram os simuladores. Carros de corrida, naves, barcos e, principalmente, os simuladores de voo.

Comprei um simulador de voo chamado F22 que era o que havia de mais realista até então em matéria de jogos de aviões. Era um jogo complexo cujo aprendizado era demorado, mas eu estava resoluto a aprender a controlar aquele caça. Segundo o fabricante do jogo, a simulação era idêntica às condições enfrentadas por um piloto em uma aeronave de verdade o que me deixava mai ansioso para chegar aos níveis de combate aéreo o mais cedo possível.

Para “facilitar” o aprendizado o game era composto por diferentes missões incluindo a missão de pouso e decolagem (que, obviamente, ignorei por querer aprender logo a controlar o avião em combate) e as missões de combate aéreo propriamente dito.

Nem preciso dizer que fiquei muito bom no combate, mas eu tinha uma fraqueza que me impedia de completar cada uma das missões: eu não sabia pousar o avião!

Minha ansiedade de derrotar o adversário não me permitiu ver que eu não estava pronto o suficiente para o combate. De nada adiantava eu abater todas as aeronaves inimigas se, logo em seguida, eu destruía a minha própria aeronave. Se não fosse uma simulação, eu seria um excelente piloto DE UMA SÓ MISSÃO!

Na vida espiritual cometemos erros parecidos com os que eu cometi com o simulador de voo: queremos entrar logo em “combate”, mas nos esquecemos de aprender uma coisa fundamental: PRINCÍPIOS.

A Palavra de Deus nos mostra que, quando aprendemos princípios, nossa caminhada espiritual se torna menos árdua e um princípio a ser aprendido por todos aqueles que anseiam por enveredar na batalha espiritual é o da armadura de Deus.

A carta aos efésios no capítulo seis nos fala de todas as peças da armadura de um servo de Deus

Portanto tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, permanecer firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça e calçando os pés com a preparação do evangelho da paz, tomando, sobretudo, o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6:13 – 17)

O cuidado de Deus com seus filhos é tão grande no que tange a nossa proteção em combate que, primeiro, o Senhor lista todas as armas de defesa que precisamos aprender a manejar (note a importância que Ele dá ao escudo!) para somente depois nos entregar uma arma de ataque: Sua palavra.

Jesus não deseja que sejamos guerreiros de uma só batalha. Ele não quer que depois de termos subjugado e vencido demônios sejamos derrotados por inimigos aparentemente menos agressivos: a mentira, o julgamento injusto, o cansaço espiritual e a falta de fé.

Os planos de Deus para nós são os mesmos que Ele teve em relação ao Apóstolo Paulo:

Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.” (2Tm 4:7)

O Senhor Jesus nos quer voando alto em nossa vida espiritual, vencendo os adversários espirituais que se opõem a nós e, por último, retornando seguros aos braços do Pai sem o medo de não saber fazer uma aterrissagem segura.

domingo, 12 de junho de 2011

VOU PREPARAR-VOS LUGAR


Antes que eu tivesse nascido, meus pais compraram um terreno com uma pequena casa ao lado do terreno que a família da minha mãe já possuía. Por uma razão desconhecida por mim, meus pais não foram morar nessa pequena casa de imediato, antes alugaram uma casa em outra cidade e nessa nova cidade eu morei do meu nascimento até os seis ou sete anos de idade.

Um determinado dia, meus pais decidiram que era a hora de deixarmos a despesa do aluguel e construirmos uma nova casa no terreno que eles possuíam. Entretanto, a situação financeira não possibilitava que meus pais assumissem a despesa de uma construção daquele porte e continuassem a pagar o aluguel da casa em que morávamos. Vendo nosso dilema, a família da minha mãe concordou em nos ajudar e cederam uma casa que estava vaga no terreno ao lado do nosso.

A casa era muito antiga. Foi a primeira casa em que meus avós maternos moraram assim que chegaram do nordeste. Tinha apenas uma cozinha (que eu achava enorme), uma sala, um quarto e um banheiro. Era coberta com telhas (não havia casa de laje na época dos meus avós) e o telhado precisava de reparos em várias partes.

Eu e meu irmão dormíamos na sala e não nos incomodávamos com essa imposição, pois sabíamos que um quarto estava sendo construído para nós na casa nova. O maior inconveniente era em dias de chuva forte: as telhas quebradas se revelavam e as goteiras apareciam com uma intensidade incrível. Lembro-me de ver minha mãe posicionando vários baldes pela cozinha para conter os vazamentos que vinham do alto. A varanda então, nem se fala, se transformava em uma piscina. Os vazamentos no telhado da varanda eram tantos que eu, meu irmão e meus primos brincávamos de deslizar deitados com a barriga no chão para ver quem chegava mais longe (esqueci-me de dizer que a varanda se estendia por toda a frente da casa). Os dias de chuva eram, de fato, transtornos para meus pais e diversão para as crianças.

Quando nos mudamos para a casa nova pude ver a satisfação no rosto de meus pais por estarem nos proporcionando mais conforto e tranquilidade e depois de alguns anos a velha casa dos meus avós foi completamente demolida e reconstruída para que outros primos morassem nela definitivamente.

Assim a palavra de Deus nos ensina “em verdade vos digo que qualquer que não receber o Reino de Deus como criança, de maneira nenhuma entrará nele” (Mc 10:15).

Receber o Reino de Deus como criança é saber que, apesar de toda e qualquer adversidade presente, termos a convicção que nosso Pai está preparando uma morada melhor e mais excelente e isso nos faz superar as dificuldades, pois sabemos que nenhuma tribulação é maior que a graça vindoura de Deus. Receber o Reino como criança nos mostra que é possível fazer das dificuldades motivos para nos aproximarmos do Senhor e depender dEle para que a solução chegue até nós.

domingo, 5 de junho de 2011

Como chuva serôdia


Era só mais uma tarde de dezembro.

Eu, meu irmão, meus primos e os meninos que moravam na mesma rua que nós às vezes íamos jogar futebol no terreno de uma igreja próxima à nossa casa. Na maioria das vezes, nós encontrávamos o portão aberto e, lá dentro, alguém que sempre nos autorizava a usar o terreno.

Bem, se você também foi criança, sabe como elas pensam:

- Para que pedir quando o portão estiver fechado se nos deixariam entrar caso estivesse aberto?

Por essa razão nós sempre pulávamos o portão.

É obvio que a nossa lógica não era a mesma dos adultos, principalmente, não era a lógica do Sr. Severo (sim, esse era mesmo o nome dele!). Ele era uma espécie de zelador que não morava na igreja. Era a pessoa que chegava cedo para abrir tudo antes de qualquer reunião (que geralmente começavam às 7 da noite).

Já disse que era dezembro, portanto era verão. E verão, no Rio de Janeiro, significa duas coisas: dias mais longos e pancadas de chuva no fim da tarde.

Mas o que têm em comum o portão da igreja, o Sr. Severo, os dias mais longos e os temporais?

Como entrávamos sem pedir no terreno para jogar bola, o Sr. Severo (que fazia jus ao nome) sempre que nos surpreendia, gastava um bom tempo passando um sabão naqueles que não conseguiam se evadir na hora em que ele chegava. Para escapar da bronca, desenvolvemos uma estratégia: sabíamos que Severo entraria pelo portão social da igreja, do terreno, nós tínhamos uma visão privilegiada do portão social, então, quando Severo virava a chave na fechadura do pequeno portão, era dado o alerta para a fuga em massa.

Imagine uns quinze a vinte garotos se empoleirando no portão do terreno, todos de uma só vez. Acho que o temor do Sr. Severo era uma catástrofe envolvendo um portão esmagando uns quinze ou vinte garotos. Por conta de tantas “retiradas estratégicas”, todos estavam treinados em subir o portão e passar para o lado da rua com extrema facilidade.

Certa tarde, não foi o Sr. Severo que nos fez correr do terreno e largar o futebol.

A igreja ficava na parte mais alta de uma ladeira e, atrás do terreno da igreja, passava uma seqüência de ruas formadas por um pequeno condomínio. Estávamos entretidos com o jogo, eu estava no gol (o lugar mais próximo do portão de fuga) quando um barulho forte e crescente chamou nossa atenção. Era como o trotar de muitos cavalos se aproximando. Quando olhei com atenção, vi que era a chuva que se aproximava de nós e que o barulho era o som dos grossos pingos da chuva de verão sobre os telhados do condomínio vizinho.

Tudo isso, desde ouvir o som até notar que se tratava de um breve temporal, não demorou mais que alguns segundos. Sem que nenhum de nós dissesse nada, o jogo parou, todos viram a chuva se aproximando e, como num estouro de boiada, todos correram e puseram em prática, mais uma vez, a “retirada estratégica” a que estávamos acostumados.

É evidente que um bando de garotos suados de tanto correr atrás de uma bola não fugiria de uma refrescante chuva, na verdade, acho que, inconscientemente, todos queriam “apostar corrida” com aquela nuvem.

Pulei o portão e desci a ladeira em disparada, porém, após alguns passos, senti as gotas geladas caindo sobre a minha pele. Parei de correr e passei a aproveitar a chuva e, lentamente, caminhei até minha casa todo molhado e convicto de que não há como escapar de uma chuva inesperada.

Em Deuteronômio 11: 13 -14 encontramos uma promessa do Senhor:

E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar ao SENHOR vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite.

Entre tantos outros compromissos que Deus assume com seu povo, há o cuidado de derramar a chuva, tão necessária para que a provisão esteja garantida.

Há apenas uma condição para isso. Nossa inclinação imediata é pensar que a obediência é a condição. Sim, o Senhor ama a obediência de Seus filhos, porém aqui (e em vários outros lugares da Palavra) não é o observar de uma ordem que garante a sobrevivência. É o amor.

O Senhor declara que, se o amarmos, seremos abençoados. Mas note que o amor desejado pelo Pai não é um amor sujeito a variações (coisa bem típica em nós, seres humanos), não é um amor “cego”, aquele em que não se conhece, de fato, aquilo que se ama, mas um amor especial:

“de todo o vosso coração e de toda a vossa alma”

Coração nos fala do lugar em que depositamos aquilo que nos é precioso:

Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.” (Pv 4:23)

O amor pelo Pai deve estar guardado no lugar fortificado do nosso ser, no lugar onde ele não sofrerá abalos quando a tristeza nos alcançar, quando a perda ou a decepção nos atingir. Ele deve estar guardado no lugar para onde olharemos e encontraremos uma razão para esboçar um sorriso de alegria por saber que não estamos sozinhos.

O outra dimensão do amor pelo Senhor em nossa vida é a dimensão da alma. A alma (psique) é a zona de confronto de nossas emoções com nossa razão. Nossa razão geralmente luta contra nossos sentimentos e é por essa razão que Deus também quer estar no centro desse cantinho a quem mais ninguém tem acesso senão nós.

Amar com a alma nos fala de conhecer o ser amado, entender as razões pelas quais se ama alguém (amor é incondicional, mas sabemos por que razão amamos). É por essa razão que Deus nos fala:

E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (Rm 12:2).

Renovar nossa alma (entendimento) é a condição necessária para conhecermos a boa, perfeita e agradável vontade do Pai, mesmo que, naquele momento, ela não pareça tão boa, tão perfeita e nem tão agradável. Amar com a alma nos direciona a conhecer as razões que levam quem nos ama a agir da forma que age conosco. Deus precisa que o amemos com a alma para que saibamos por que estamos passando por isto ou aquilo.

Depois que entendemos tudo isso, o Senhor está pronto a derramar Sua chuva providencial sobre nós.

O problema é que nos comportamos como meninos tentando fugir da chuva: infringimos as regras, fazemos somente aquilo que nos agrada e, quando a exortação está próxima, pulamos o portão e corremos para nos afastar das bênçãos e da proteção do Pai.

Felizmente, a Palavra fala que Deus derramará a chuva serôdia. Serôdia é aquela chuva que vem quando não esperamos mais. É a chuva que restaura a esperança do agricultor que julgava ter perdido toda a safra. É a chuva que alcança nosso coração e nossa alma quando corremos para longe de Deus, quando descemos a ladeira de nossas vidas. Felizmente, a chuva serôdia é aquela que nos persegue e nos alcança quando não esperamos mais solução.

Assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se compadece daqueles que o temem. Pois ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó.” (Sl 103:13-14)

Ele sabe que somos pó e que, sem Ele, nossa vida é seca e precisa da chuva, ainda que tardia. E, quando somos envolvidos pela chuva da graça perdoadora do Senhor, chegamos a uma conclusão feliz e óbvia: não há por que querer escapar de uma chuva inesperada.

domingo, 29 de maio de 2011

Como crianças nos braços do Pai

Quem nunca se meteu em confusão aos doze anos?

Certo dia eu estava voltando para casa, a rua estava deserta quando encontrei o vizinho que morava na casa de frente para a minha. Ele era de uma família cinco irmãos que não se davam muito bem com os outros meninos da rua e, por essa razão, eu não tinha muita afinidade com eles.

Não me lembro como a discussão começou, mas me lembro que não demorou muito para que nós estivéssemos engalfinhados brigando pelo chão. Tinha chovido no dia anterior e minha rua era de terra, portanto, havia muita lama e o efeito da areia molhada piorava a sensação de estar brigando no chão.

A briga estava equilibrada, apesar de meu vizinho ser mais velho, eu era um pouco maior que a média para minha idade e acreditei que depois de alguma troca de socos e insultos os dois acabariam desistindo daquele duelo inóspito na lama. Quando eu achei que meu adversário iria desistir, o portão de sua casa abriu e seus dois irmãos mais novos viram-no aparentemente em desvantagem. Foi a minha ruína!

Daquele momento em diante, passei a levar uma surra de um adversário furioso e de dois assistentes, no mínimo, incômodos (eles não batiam com força, mas criavam condição para que o irmão mais velho continuasse a me bater). Minha sorte começou a mudar quando um outro vizinho mais novo que eu (ele devia ter uns sete ou oito anos) saiu ao portão da sua casa e viu a briga. Ele era muito pequeno para intervir no combate, mas se dispôs a correr em direção a minha casa para pedir ajuda a alguém da minha família.

Tudo parecia se encaminhar para um desfecho, entretanto eu não sabia de um detalhe: meu vizinho benfeitor era gago e, como todo gago, ele ficou mais gago ainda por estar nervoso com a situação. Até que ele avisasse sobre a briga, eu ainda levei mais alguns minutos de socos e pontapés.

Por fim, minha mãe entendeu que algo grave estava acontecendo lá fora e chegou ao portão. Os meus algozes correram para sua casa com medo dela e eu pude me levantar com o orgulho tão ferido quanto meu corpo. Restou a mim encarar a bronca da minha mãe e dar explicações que eu mesmo não tinha.

Olhando para esse episódio pude perceber o quão frágeis são as nossas convicções quando confiamos no ser humano:

Assim diz o Senhor: Maldito o varão que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor”(Jr 17: 5)

Não confiar no homem não se trata de deixarmos acreditar que as pessoas são capazes de cumprir o que se comprometeram a realizar, aliás, acreditar nas pessoas deve fazer parte das nossas convicções de fé (como iremos crer na transformação de vida de alguém se não dermos crédito à pessoa?); antes, não depositar a confiança no homem é não atribuir a ele o que só Deus é capaz de fazer.

Quando Deus nos adverte acerca de não confiar no homem, muito mais que não confiar nas outras pessoas, Ele quer nos lembrar de que não devemos nos estribar em nossas próprias forças. O Senhor, como Pai, quer nos tratar como filhos, mas precisamos nos sentir filhos para receber esse amor, como o próprio Senhor Jesus nos ensinou:

Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no reino dos céus.” (Mt 18:2 – 4)

Nossa força está na capacidade de dependermos da provisão que o Pai está disposto a nos fornecer. Como crianças que esperam a solução vinda do pai, como crianças que admitem que são dependentes somos desafiados a confiar no amor do Senhor e admitir que é Ele o único que pode, de fato, fazer o que nenhum homem é capaz de fazer.

Nosso maior inimigo na busca da dependência de Deus é a autossuficiência. É ela que nos dá a falsa impressão de que seremos capazes de solucionar nossos dilemas. É a autossuficiência que nos faz crer que nosso emprego garantirá a segurança de nossa família ou que nossa rede de relacionamentos dará conta de resolver qualquer problema que possa surgir em nossa vida.

A autossuficiência é uma mentira que só se revela em situações desesperadoras e aí está o seu efeito mais destruidor: quando estamos certos de que superaremos uma adversidade, nos deparamos com a ineficácia de nossos recursos. A doença para a qual não existe tratamento, o filho que enveredou por caminhos de marginalidade, é o companheiro que se entregou aos vícios ou ao adultério, contra essas coisas nosso braço falível de carne nada pode.

A receita para vencer a falácia da autossuficiência é simples (mas nem sempre fácil): voltar o coração ao Senhor. Nem sempre é fácil admitir que o que nos manteve isentos dos problemas não foi nossa habilidade em lidar com tais situações, antes, foi a mão misericordiosa do Senhor Jesus. Admitir isso significa negar nossa soberba, nossa altivez e esses são pecados que criam raízes imensamente profundas em nossa alma. Arrancá-las implica em abrir mão da parte do nosso ser que julga ser possível ao homem viver sem Deus.

Confiar em Deus é sempre a melhor opção. Quando confiamos em nosso braço sempre encontraremos a decepção, a derrota ou ainda três vizinhos furiosos dispostos a brigar.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O Profeta, o Futebol e a Caverna


A cura pode vir quando menos se espera.

Quando eu tinha 16 ou 17 anos, eu trabalhava como aprendiz em uma empresa multinacional, nossas férias da empresa coincidiam sempre com as férias escolares do fim do ano, nas férias escolares do meio do ano nossa rotina de aprendizes era a rotina de qualquer trabalhador. Quando vivíamos esse período do ano, férias na escola e trabalho normal, aproveitávamos os fins de tarde e o início da noite no centro de lazer da empresa.

Bem, foi em um período desses que surgiu uma pequena ferida na parte interna do meu lábio inferior. A princípio, não dei importância, pois poderia ser apenas uma pequena afta que logo, logo desapareceria.

Mas não desapareceu.

De uma pequena ferida, aquilo evoluiu para uma pequena bolha que não doía, não me causava nenhum mal senão o incômodo que eu sentia ao tomar um sorvete comer alguma coisa e, o pior, se eu arrumasse uma namorada, naquela situação, eu não conseguiria beijá-la! Entretanto, ninguém via a pequena bolha e nem imaginava os pequenos transtornos que eu vivenciava.

Cheguei a ir a dois médicos que me disseram a mesma coisa: - Não sei o que é isso, mas passe esse remédio que o incômodo vai diminuir.

Mas não diminuía!

Cheguei a me conformar com aquilo a ponto de me acostumar e esquecer aquele pequeno problema até a hora de tomar um sorvete, comer alguma coisa ou (pensar em) beijar a namorada (que eu não tinha!)

Mas eu disse que aproveitávamos os fins de tarde do meio do ano no clube da empresa. Eu ia muito pouco, porém de tanto meus colegas insistirem, eu fui naquela tarde de terça-feira para jogar futebol. Os times foram escolhidos e eu, que não tinha muito talento esportivo, me ofereci para ficar no gol, para o qual eu também não tinha muito talento, mas era onde a falta de habilidade com a bola aparecia menos. Pelo menos era o que eu pensava até um dos jogadores do time adversário roubar a bola do meu time enganar todos os zagueiros e ficar frente a frente comigo.

Pensei que a minha falta de habilidade era o maior problema a ser enfrentado. Eu estava errado! A falta de habilidade daquele atacante foi o que mais me assustou: ao invés de me driblar e dar um pequeno toque com categoria, ele encheu o pé e disparou uma bomba na direção do gol. O problema é que eu estava no meio do caminho, mais especificamente, o meu rosto estava no meio do caminho!

Não deu outra: uma tremenda bolada na face!

Antes de notar que eu havia evitado o gol, percebi que o sangue estava pingando no chão. Larguei minha posição e fui rapidamente ao banheiro mais próximo para lavar o rosto e olhar no espelho o estrago que meu rosto tinha sofrido. Para minha surpresa, o sangue não vinha do meu nariz, nem de nenhum corte no rosto, vinha da minha boca. Lavei a boca até estancar o sangue para poder dimensionar o tamanho do ferimento. Depois de olhar por alguns minutos, notei que não havia ferimento algum, aliás havia uma coisa a menos na minha boca: a pequena bolha de sangue. Onde estava a bolha, restou apenas a fina membrana que a envolvia que, depois de alguns dias, foi absorvida pela membrana do lábio. Não restou nenhum vestígio do problema que me incomodou por semanas.

Para mim, a cura (se é que eu posso chamar assim) veio com uma experiência que em nada poderia sugerir a solução para o meu problema e veio acompanhada de uma certa dose de dor: meu rosto doeu uma semana inteira!

Com Elias foi “parecido”.

Após derrotar os (falsos) profetas de Baal e de profetizar o fim da seca em Israel, Elias recebe um recado ameaçador da rainha Jezabel.

Ora, Acabe fez saber a Jezabel tudo quanto Elias havia feito, e como matara à espada todos os profetas. Então Jezabel mandou um mensageiro a Elias, a dizer-lhe: Assim me façam os deuses, e outro tanto, se até amanhã a estas horas eu não fizer a tua vida como a de um deles.” (I Rs 19:1-2)

Elias tinha acabado de presenciar o poder de Deus mandar fogo e depois chuva do céu. Antes, havia experimentado a provisão sobrenatural pelos corvos e na casa da viúva de Sarepta e foi o agente do poder do Senhor na ressurreição do filho dessa viúva. Para alguém com esse nível de intimidade com Deus, uma ameaça seria apenas um pequeno incômodo que logo desapareceria.

Mas não desapareceu.

Aquelas palavras caíram como uma bomba no coração do profeta. Tão aterradora foi aquela mensagem que Elias não perde tempo: deixa Eliseu em um lugar seguro, segue para o deserto e, ali, pede uma “morte tranquila”. Digo isso porque “a morte” era o castigo que Jezabel havia jurado aplicar no profeta. De qualquer maneira, a rainha sairia ganhando: silenciaria o profeta que atrapalhava o reinado de seu marido.

Elias não pensou nisso. Não pensou em nenhum dos grandes feitos do Senhor em sua vida, pensou apenas na sua dor, na injustiça cometida contra ele. Naquela hora não importava se Israel sucumbiria diante do poder maligno que estava por trás de Jezabel. Naquela hora, Elias, como qualquer homem, pensou em sua dor e, quanto mais pensamos na dor, mais ela cresce e nos domina. Elias tinha deixado de ver sentido em sua vida de profeta.

Nessas horas, nada do que nos mostram, nada do que acontece ao nosso redor parece fazer sentido, nem mesmo um anjo trazendo pão no meio de um deserto serve para nos convencer do valor que Deus dá à nossa vida.

E deitando-se debaixo do zimbro, dormiu; e eis que um anjo o tocou, e lhe disse: Levanta-te e come. Ele olhou, e eis que à sua cabeceira estava um pão cozido sobre as brasas, e uma botija de água. Tendo comido e bebido, tornou a deitar-se.” (I Rs 19: 5-6)

Elias estava rapidamente se acostumando a não valorizar o sobrenatural, a não valorizar o cuidado pessoal de Deus com sua vida e isso porque se sentiu abandonado. Sua dor não lhe permitia ver o que estava diante de seus olhos: Deus não o havia abandonado!

O fundo do poço para o profeta foi o fundo da caverna. Bem no íntimo, Elias queria Deus, mas, dessa vez, ele queria um acalanto do Pai. Mas, dessa vez, ele recebe uma missão: ungir Hazael como rei da Síria e Jeú como rei de Israel. O profeta pôde ver o cuidado de Deus sobre sua vida novamente, pois aqueles homens iriam pôr fim aos desmandos malignos de Jezabel. Seriam os agentes que Deus usaria para reestabelecer Seu domínio em Israel.

Porém a cura veio quando Elias não esperava, nem da maneira que esperava. Mesmo voltando a ver sentido em seu ofício de profeta, ainda havia em Elias o sentimento que o levara a fraquejar: acreditar que levava todo o fardo de manter a palavra do Deus vivo em Israel e achar que estava fazendo tudo sozinho. Para curar isso Deus precisava acertar uma bolada na face de Elias:

Todavia deixarei em Israel sete mil: todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que não o beijou.” (I Rs19:18)

Pronto! Elias estava livre daquele sentimento de abandono que lhe perseguiu e quase acabou com seu ministério.

A cura vem quando menos se espera!