terça-feira, 17 de maio de 2011

O Profeta, o Futebol e a Caverna


A cura pode vir quando menos se espera.

Quando eu tinha 16 ou 17 anos, eu trabalhava como aprendiz em uma empresa multinacional, nossas férias da empresa coincidiam sempre com as férias escolares do fim do ano, nas férias escolares do meio do ano nossa rotina de aprendizes era a rotina de qualquer trabalhador. Quando vivíamos esse período do ano, férias na escola e trabalho normal, aproveitávamos os fins de tarde e o início da noite no centro de lazer da empresa.

Bem, foi em um período desses que surgiu uma pequena ferida na parte interna do meu lábio inferior. A princípio, não dei importância, pois poderia ser apenas uma pequena afta que logo, logo desapareceria.

Mas não desapareceu.

De uma pequena ferida, aquilo evoluiu para uma pequena bolha que não doía, não me causava nenhum mal senão o incômodo que eu sentia ao tomar um sorvete comer alguma coisa e, o pior, se eu arrumasse uma namorada, naquela situação, eu não conseguiria beijá-la! Entretanto, ninguém via a pequena bolha e nem imaginava os pequenos transtornos que eu vivenciava.

Cheguei a ir a dois médicos que me disseram a mesma coisa: - Não sei o que é isso, mas passe esse remédio que o incômodo vai diminuir.

Mas não diminuía!

Cheguei a me conformar com aquilo a ponto de me acostumar e esquecer aquele pequeno problema até a hora de tomar um sorvete, comer alguma coisa ou (pensar em) beijar a namorada (que eu não tinha!)

Mas eu disse que aproveitávamos os fins de tarde do meio do ano no clube da empresa. Eu ia muito pouco, porém de tanto meus colegas insistirem, eu fui naquela tarde de terça-feira para jogar futebol. Os times foram escolhidos e eu, que não tinha muito talento esportivo, me ofereci para ficar no gol, para o qual eu também não tinha muito talento, mas era onde a falta de habilidade com a bola aparecia menos. Pelo menos era o que eu pensava até um dos jogadores do time adversário roubar a bola do meu time enganar todos os zagueiros e ficar frente a frente comigo.

Pensei que a minha falta de habilidade era o maior problema a ser enfrentado. Eu estava errado! A falta de habilidade daquele atacante foi o que mais me assustou: ao invés de me driblar e dar um pequeno toque com categoria, ele encheu o pé e disparou uma bomba na direção do gol. O problema é que eu estava no meio do caminho, mais especificamente, o meu rosto estava no meio do caminho!

Não deu outra: uma tremenda bolada na face!

Antes de notar que eu havia evitado o gol, percebi que o sangue estava pingando no chão. Larguei minha posição e fui rapidamente ao banheiro mais próximo para lavar o rosto e olhar no espelho o estrago que meu rosto tinha sofrido. Para minha surpresa, o sangue não vinha do meu nariz, nem de nenhum corte no rosto, vinha da minha boca. Lavei a boca até estancar o sangue para poder dimensionar o tamanho do ferimento. Depois de olhar por alguns minutos, notei que não havia ferimento algum, aliás havia uma coisa a menos na minha boca: a pequena bolha de sangue. Onde estava a bolha, restou apenas a fina membrana que a envolvia que, depois de alguns dias, foi absorvida pela membrana do lábio. Não restou nenhum vestígio do problema que me incomodou por semanas.

Para mim, a cura (se é que eu posso chamar assim) veio com uma experiência que em nada poderia sugerir a solução para o meu problema e veio acompanhada de uma certa dose de dor: meu rosto doeu uma semana inteira!

Com Elias foi “parecido”.

Após derrotar os (falsos) profetas de Baal e de profetizar o fim da seca em Israel, Elias recebe um recado ameaçador da rainha Jezabel.

Ora, Acabe fez saber a Jezabel tudo quanto Elias havia feito, e como matara à espada todos os profetas. Então Jezabel mandou um mensageiro a Elias, a dizer-lhe: Assim me façam os deuses, e outro tanto, se até amanhã a estas horas eu não fizer a tua vida como a de um deles.” (I Rs 19:1-2)

Elias tinha acabado de presenciar o poder de Deus mandar fogo e depois chuva do céu. Antes, havia experimentado a provisão sobrenatural pelos corvos e na casa da viúva de Sarepta e foi o agente do poder do Senhor na ressurreição do filho dessa viúva. Para alguém com esse nível de intimidade com Deus, uma ameaça seria apenas um pequeno incômodo que logo desapareceria.

Mas não desapareceu.

Aquelas palavras caíram como uma bomba no coração do profeta. Tão aterradora foi aquela mensagem que Elias não perde tempo: deixa Eliseu em um lugar seguro, segue para o deserto e, ali, pede uma “morte tranquila”. Digo isso porque “a morte” era o castigo que Jezabel havia jurado aplicar no profeta. De qualquer maneira, a rainha sairia ganhando: silenciaria o profeta que atrapalhava o reinado de seu marido.

Elias não pensou nisso. Não pensou em nenhum dos grandes feitos do Senhor em sua vida, pensou apenas na sua dor, na injustiça cometida contra ele. Naquela hora não importava se Israel sucumbiria diante do poder maligno que estava por trás de Jezabel. Naquela hora, Elias, como qualquer homem, pensou em sua dor e, quanto mais pensamos na dor, mais ela cresce e nos domina. Elias tinha deixado de ver sentido em sua vida de profeta.

Nessas horas, nada do que nos mostram, nada do que acontece ao nosso redor parece fazer sentido, nem mesmo um anjo trazendo pão no meio de um deserto serve para nos convencer do valor que Deus dá à nossa vida.

E deitando-se debaixo do zimbro, dormiu; e eis que um anjo o tocou, e lhe disse: Levanta-te e come. Ele olhou, e eis que à sua cabeceira estava um pão cozido sobre as brasas, e uma botija de água. Tendo comido e bebido, tornou a deitar-se.” (I Rs 19: 5-6)

Elias estava rapidamente se acostumando a não valorizar o sobrenatural, a não valorizar o cuidado pessoal de Deus com sua vida e isso porque se sentiu abandonado. Sua dor não lhe permitia ver o que estava diante de seus olhos: Deus não o havia abandonado!

O fundo do poço para o profeta foi o fundo da caverna. Bem no íntimo, Elias queria Deus, mas, dessa vez, ele queria um acalanto do Pai. Mas, dessa vez, ele recebe uma missão: ungir Hazael como rei da Síria e Jeú como rei de Israel. O profeta pôde ver o cuidado de Deus sobre sua vida novamente, pois aqueles homens iriam pôr fim aos desmandos malignos de Jezabel. Seriam os agentes que Deus usaria para reestabelecer Seu domínio em Israel.

Porém a cura veio quando Elias não esperava, nem da maneira que esperava. Mesmo voltando a ver sentido em seu ofício de profeta, ainda havia em Elias o sentimento que o levara a fraquejar: acreditar que levava todo o fardo de manter a palavra do Deus vivo em Israel e achar que estava fazendo tudo sozinho. Para curar isso Deus precisava acertar uma bolada na face de Elias:

Todavia deixarei em Israel sete mil: todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que não o beijou.” (I Rs19:18)

Pronto! Elias estava livre daquele sentimento de abandono que lhe perseguiu e quase acabou com seu ministério.

A cura vem quando menos se espera!

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