sábado, 7 de maio de 2011

Goiabas e Provérbios


Posso me enganar em relação a alguns detalhes do fato que irei narrar, pois eu não devia ter mais que seis ou sete anos quando eles aconteceram. Mas o que importa é que eles aconteceram.

Minha família (família aqui engloba meus tios, primos etc) alugou uma mesma casa de praia por algumas temporadas. Eu me lembro que a casa era grande e que ficava em cima de uma outra casa. Tinha vários quartos, uma sala bem ampla e, na época das férias, era capaz de abrigar muita gente. Só hoje me dou conta de que, se a casa era grande e confortável daquele jeito, seu aluguel não devia ser barato. Talvez por isso, a grande quantidade de pessoas que a dividiam (isso barateava o custo individual).

Outro aspecto positivo daquela casa era sua localização. Ficava situada a uma distância razoável da praia e também a uma distância não muito grande de uma das mais procuradas cachoeiras da região. Não sei dizer com exatidão a que distância estávamos da praia ou da cachoeira, mas era perto o suficiente para que meus pais e meus tios confiassem em nós e nos meus primos a ponto de nos deixarem ir sozinhos àqueles lugares.

Pois bem, foi numa dessas nossas idas e vindas ao “Poção” (era assim que chamávamos a represa principal da cachoeira) que eu, meu irmão e dois primos encontramos uma goiabeira repleta de frutas maduras. Como as casas eram, na grande maioria dos casos, de veraneio, era normal que estivessem vazias e fechadas durante os dias úteis da semana. Com a casa da goiabeira não era diferente: estava vazia e fechada. Não me lembro de nenhum muro, talvez houvesse uma cerca, mas não havia ninguém a quem nós pudéssemos pedir as goiabas.

Bom, agora junte as circunstâncias: uma goiabeira carregada de suculentos frutos, uma casa desocupada, nenhum muro e quatro garotos curtindo as férias. Não deu outra: rapidamente, meu primo se dispôs a subir nos galhos que ficavam para fora do terreno, ajudado pelo meu irmão mais velho e pelo meu outro primo. Como eu era o mais novo de todos, eles me deixaram vigiando a rua para ver se alguém iria passar e nos surpreender.

Nada aconteceu!

Em poucos minutos eles desceram da árvore cheios de goiabas para comer durante todo o caminho de volta à casa alugada.

Antes de voltarmos, porém, um dos meus primos sugeriu que lavássemos as goiabas na cachoeira, com o que todos concordaram prontamente. Foi aí que as coisas começaram a se complicar. O mesmo primo que quis lavar as goiabas reclamou de uma coceira no corpo e quis entrar na água para ver se aquela sensação incômoda passaria. Como toda água de cachoeira é extremamente gelada, a coceira cessou de imediato e todos seguimos em direção à nossa casa.

No meio do caminho, o mesmo primo voltou a se queixar da coceira e, desta vez, meu irmão também estava sentindo o mesmo. Não demorou para que meu outro primo fizesse a mesma queixa. Os passos se aceleraram e a sensação só piorava. O pânico tomou conta de nós quando calombos começaram a surgir na pele dos três.

Começamos a correr para chegar a casa o mais rápido possível. Lembro-me da preocupação do meu irmão em ser algo sério. Nunca havia corrido tanto antes (nem sabia que era capaz daquilo!), mas, finalmente, chegamos.

Não me lembro se eles choraram enquanto contavam o que estavam sentindo. Sei que todos da casa se mobilizaram porque os calombos cobriam o corpo todo dos três. Quando, no meio daquela confusão toda, alguém perguntou o que nós tínhamos feito de diferente, eles contaram o episódio das goiabas.

Depois de muito interrogatório, alguém perguntou se eles haviam passado por algum tipo de mato antes de alcançarem os galhos. Eu respondi que sim, que havia uns arbustos entre a cerca e a goiabeira. Então uma das pessoas da casa descobriu a causa da coceira e dos calombos: eles haviam passado por uma erva conhecida como urtiga e, como o nome sugere, esta planta provoca urticária e causa aquele tipo de reação na pele.

Depois que tudo foi revelado, prontamente, um remédio caseiro foi providenciado: um bálsamo para aliviar a coceira e a irritação cutânea.

O susto que meu irmão e meus primos tinham passado fora tão grande que nem foi necessária a bronca que certamente receberíamos pelo erro cometido.

Relembrar esse episódio me fez pensar em um provérbio muito conhecido:

Há um caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte” (Pv 14:12).

Com toda a certeza, todos nós já tomamos decisões das quais viemos a nos lamentar depois. Não há nada errado com o erro (meio contraditório, não?), ou melhor, não há nada de condenável em errar e admitir o erro. O que Deus quer nos falar através desse provérbio é concernente a nossa inclinação a permanecer no erro em função de nossa altivez. Altivez é a incapacidade de enxergarmos nosso próprio pecado, é a dificuldade de aceitar toda a exortação que chega até nós com o intuito de nos livrar de um caminho repleto de consequências desastrosas.

Sabemos que a altivez entrou no coração de uma pessoa quando ela não ouve ninguém a não ser a si mesma, quando ela se recusa a ver que seus atos a estão conduzindo para um caminho cada vez mais estreito e de difícil retorno. O altivo afasta de si aqueles que mais o amam por acreditar que é incompreendido.

Tudo isso porque é difícil acreditar que algo, a princípio, tão prazeroso como o pecado, possa ter consequências tão danosas e por tanto tempo (na verdade as consequências podem durar toda a eternidade). É difícil crer que aquilo que estávamos tão certos de ser algo bom é, na verdade, laço para os nossos pés.

Esse pequeno provérbio é uma das porções mais incisivas da Palavra de Deus porque nos confronta com nossa autossufciência, enquanto que o plano do Senhor sempre foi cuidar de nós como um pai cuida de seus filhinhos:

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (Mt 23:37)

Quando estamos cegos pelo pecado, acreditamos que nossas decisões são o que há de melhor para nossa vida e não nos damos conta de quantos são enviados pelo Senhor para nos trazer de volta à presença dEle.

Muitas vezes somos arrebentados pelas consequências do pecado e ainda achamos que valeu a pena. Quantos acham que para ter o prazer do álcool vale a pena os ferimentos causados pelos tombos? Quantos acham que um adultério vale a ruína de uma família? Quantos acham que a promiscuidade vale o risco de contrair uma doença sem cura? Tudo isso por causa da altivez.

Só há uma cura para a altivez: o quebrantamento. Só quando nosso coração reconhece que somos falhos estamos prontos a confessar ao Pai os nossos pecados. Estamos prontos a nos derramar em Sua presença e admitir que precisamos de Sua ajuda, de Sua graça perdoadora.

Mas há uma boa notícia:

onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Rm 5:20b)

É a graça do Senhor que O leva a nos perdoar. É Seu amor infinito por nós que O faz providenciar o bálsamo para as nossas feridas quando voltamos para casa como crianças dependentes do socorro do Pai.

Precisamos entender que o Pai nos ama, está disposto a nos perdoar, a cuidar de nós e, sobretudo, precisamos entender que nenhuma goiaba vale a coceira da urtiga.

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