sábado, 27 de agosto de 2011

Por algumas carambolas


Na rua em que eu morava com minha família havia muitas outras crianças além de mim, meu irmão e meus primos. Nós brincávamos muito, particularmente, com dois irmãos que moravam quase de frente para a nossa casa. Eles eram filhos de um casal que viera de Minas Gerais havia quase tanto tempo quanto a minha família materna tinha vindo do Nordeste.

Eles eram muito simpáticos e sempre havia outras crianças no seu portão chamando seus filhos para brincar. O casal era tão receptivo que o portão de sua casa ficava aberto quase todo o tempo e nós tínhamos o hábito de entrar e chamar os meninos da varanda da casa (que ficava quase na metade do comprimento do terreno, cerca de quinze metros do portão). Outro detalhe que me vem à memória é o pé de carambola que ficava de frente para a varanda.

Esta árvore era relativamente pequena em altura, a ponto das frutas ficarem ao alcance de nossas mãos sem que precisássemos subir em seus galhos. Quando era época dessas frutas, o aroma das carambolas podia ser sentido do portão da casa deles.

Em uma das vezes que passei por esse aromático portão, fui atraído pelo apelo das carambolas. Entrei, encostei o portão, fui até a varanda e perguntei à dona da casa se poderia colher algumas frutas. Ele respondeu positivamente e me deixou à vontade e retornou a seus afazeres. Colhi as frutas que meus braços alcançaram, mas havia algumas que estavam um pouco mais acima que estavam incrivelmente atraentes. O esforço para pegá-las seria mínimo e subi em uns galhos para chegar até elas. Foi então que me dei conta de um obstáculo: uma colmeia de marimbondos estava no meu caminho. Mesmo diante dos pequenos adversários não me intimidei e prossegui em direção ao meu objetivo. Os marimbondos fizeram uns voos de advertência ao meu redor mas não me ferroaram. Colhi as carambolas e desci da árvore.

Quando estava na segurança do solo decidi me vingar dos meus alados agressores pela afronta que me tinham feito e atirei uma pedra contra a colmeia. Nunca desejei tanto que minha pontaria falhasse como naquele dia! O tiro de pedra foi certeiro e, em segundos, uma pequena nuvem negra de insetos se formou voando na minha direção. Sem pensar muito, corri em direção ao portão e, enquanto o abria, senti uma única ferroada na parte de trás do meu ombro. A dor foi inversamente proporcional ao tamanho daquele bicho e um enorme calombo se formou no local. Fiquei ainda alguns dias sentindo o reflexo daquela ferroada e minha memória jamais me permitiu fazer tal asneira novamente.

Muitas vezes nossa atitude em relação ao pecado é muito parecida com a minha atitude com os marimbondos: geralmente nos aproximamos dele sem nos dar conta, visando algo que satisfaça nossas “necessidades” físicas ou emocionais. Somos sondados pelo pecado e, a princípio, nos afastamos assustados; mas, depois de alguns flertes com ele sem sofrermos consequências, ficamos cheios de confiança e passamos a acreditar que somos inatingíveis e, nesse momento, o pecado nos ferroa impiedosamente e nos damos conta de seu poder destruidor.

Todos nós, em maior ou menor escala, já experimentamos a dor do pecado, já amargamos a consequência impiedosa de seu ataque e já nos perguntamos por que caímos em sua cilada. Saber que a natureza pecaminosa está em nós não traz o consolo desejado nem nos alivia a alma. Um pecador cercado pela nuvem do pecado sempre o sentirá ameaçadoramente perto. Diante disso, que fazer?

Nessa hora tudo o que se pode dizer a alguém atormentado pelo peso de saber que errou é de pouca valia. Somente algumas poucas (mas preciosas) palavras têm, de fato o poder restaurador que um pecador precisa:

Se confessarmos os nossos pecados, ele (Jesus Cristo) é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1Jo 1:9)

Não é o que dizemos ao pecador arrependido que o liberta, antes, é o que ele está disposto a dizer ao Senhor Jesus que fará a diferença entre permanecer com a dor das ferroadas ou provar apenas o doce sabor dos frutos do perdão.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Três moedinhas


Eu devia ter mais ou menos uns cinco anos.

Minha mãe cuidava de nós quase que vinte e quatro horas por dia. Entretanto, quando era necessário, ela sempre pedia ajuda a uma das minhas tias e eu ficava muito contente quando a tia com quem eu ficaria era a Tia Maria.

Não era só pelo fato de ela ser a mais paciente, mas ela era a irmã mais velha da minha mãe e tinha três filhas já adolescentes que inventavam brincadeiras pra me distrair e contavam histórias de uma pequena enciclopédia infantil (que eu particularmente gostava muito) o que tornava minha estadia na casa muito mais agradável que quando eu ficava com as outras tias.

Esqueci-me de dizer que, nessa época, minha tia e meu tio Gilvan (assim como meus pais) ainda trabalhavam como feirantes. Ele vendia frutas e legumes e ela vendia salgadinhos ao lado da barraca dele. Como feirantes, eles lidavam com um volume razoável de dinheiro de pequeno valor (que aos olhos de uma criança parecia uma fortuna!) e era muito comum ter moedinhas por cima dos móveis da casa dela.

Em uma das inúmeras vezes em que fiquei sob os cuidados da Tia Maria, encontrei várias moedas sobre um dos móveis e achei que não teria mal nenhum se eu ficasse com algumas, afinal, eram tantas que ela nem daria falta. Assim eu fiz e, como eu disse, ninguém percebeu a falta das moedas.

Fui desmascarado quando voltávamos para casa e meu irmão pediu para minha mãe comprar alguma coisa e ela respondeu que estava sem dinheiro. Prontamente, eu disse:

- Eu tenho dinheiro!

Minha mãe, muito intrigada, perguntou onde eu havia encontrado dinheiro e eu respondi:

-Peguei na casa da Tia Maria! Ela tinha um montão!

Minha mãe me explicou que eu não poderia pegar nada sem pedir antes e disse que o que eu havia feito era errado e se chamava roubo. Ela ainda me fez guardar as moedas até a próxima ida até a casa da minha tia para devolvê-las acompanhadas de um pedido de desculpas.

Quando o dia chegou, parei na frente da Tia Maria com aquelas três moedinhas na minha mão fechada e disse, abrindo a mão e revelando meu erro:

- Aqui, tia, as moedinhas que eu roubei da senhora.

É claro que eu fiz isso chorando e me abracei com ela.

Tia Maria, pacientemente, disse que não tinha problema. Que aceitava minhas desculpas e que eu até poderia ficar com as moedinhas. Olhei para minha mãe e percebi seu olhar me autorizando a aceitar o presente.

Minha tia achou a disciplina da minha mãe um pouco exagerada, mas era o jeito dela de ensinar e resolver os problemas do nosso dia a dia.

Entretanto, hoje percebo que, mais que me ensinar a não roubar, minha mãe estava me ensinando um princípio da Palavra de Deus:

Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1Jo 1: 9).

Talvez, sem se dar conta, minha mãe me ensinou que apenas quando reconhecemos nossos erros estamos nos candidatando ao perdão.

Muitas pessoas têm ficado presas aos erros do passado pelo simples fato de não admiti-los como erros. Certamente que o temor em seus corações é a possibilidade de não receberem o perdão das pessoas que magoaram, o receio é que a dor das consequências suplantem os benefícios de um coração em paz.

Ainda mais grave que não conseguir pedir o precioso perdão a outro ser humano é achar que Deus nos tratará como um tirano enfurecido incapaz de ser compassivo com alguém que cometeu uma falha. Esquecemos que Ele é um pai amoroso e completamente fiel ao que diz:

O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia” (Pv 28:13)

Deus me fez ver através do amor da minha tia que Ele, o Pai, que me ama infinitamente mais que qualquer pessoa jamais poderá me amar, tem Seu coração inclinado a liberar seu perdão gratuitamente a todos os que se arrependem e têm o coração quebrantado.

Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo.” (1Jo 2: 1)

sábado, 6 de agosto de 2011

ELETRICIDADE, TRIGO E MUITA CRIATIVIDADE


Na infância meus primos e tios me chamavam de cientista maluco, dada a natureza de algumas “brincadeiras” das quais eu gostava. Eu me lembro de perder horas catando folhas das árvores que estavam no quintal e macerando e misturando seus sumos para tentar “fabricar” perfume.

Lembro também que os documentários sobre ciência ou vida animal que eu assistia na TV me davam ideias para novas “experiências”. Certa vez eu tentei fabricar um anestésico de formigas a base de folhas de caju depois de ter visto uma tribo da Amazônia fazer isso. Funcionou, mas não teve muita graça.

Minha inclinação e criatividade para essas brincadeiras eram tantas que, num certo natal, ganhei de uma tia um brinquedo chamado “O pequeno químico” (um kit de tubos de ensaio, produtos químicos e um livrinho com as experiências que poderiam ser feitas).Até aí, nada demais.

Meu apego pela ciência começou a ficar perigoso quando li no meu livro de ciências sobre o eletroímã. Havia uma figura ilustrando a explicação em que um fio estava enrolado ao redor de um objeto metálico e ligado a uma fonte de eletricidade. Como sempre, me pus a fazer o experimento. Consegui o fio em um quartinho de ferramentas dos meus tios e o objeto metálico disponível era uma peça de uma velha bicicleta desmontada. Como a peça tinha o formato de algo semelhante a “meio corpo” , decidi incrementar o experimento construindo a outra metade do corpo do boneco. Ajudado por um primo mais novo que eu, enrolei pacientemente o fio ao redor do corpo daquela criatura metálica e desencapei duas pontas para ligar na tomada da varanda. Na hora de conectar os fios, meu primo me chamou a atenção para calçar umas sandálias de borracha. Quando encostei os fios na tomada, só me lembro de um clarão na altura do meu rosto e da minha mãe (já certa de que era uma travessura minha) gritando da cozinha:

- Garoto!

Em seguida ela apareceu na porta, quando a vi, olhei para meu primo-cúmplice (que rolava no chão da varanda de tanto rir) e corri para escapar das chineladas que estavam por vir. Curiosamente minha mãe não disciplinou com vara nessa ocasião, mas levei uma bronca dela e ,pior, uma do meu pai por ter colocado a segurança de nossa casa em risco. Anos mais tarde minha mãe confessou que não me deu uma surra por ter visto meu rosto pálido de pavor pela besteira que acabara de fazer. Ela concluiu que eu tinha aprendido a lição.

Esse episódio fez com que minha reputação de cientista maluco durasse mais alguns anos, correram até boatos de que minha intenção era fazer a “criatura metálica” andar. Volto a afirmar, eram só boatos.

Minha criatividade saiu arranhada depois disso. Arranhada, não destruída!

Outro dia, lendo o livro dos Juízes, inevitavelmente me detive na narrativa de Gideão e ouvi o Espírito Santo me falando suavemente:

- Que sujeito criativo!

Muito me intrigou aquela revelação, pois sempre havia nutrido por Gideão a imagem de um homem corajoso, um excelente estrategista. Nunca havia pensado nele como alguém criativo. Fui investigar a passagem em que Deus se apresenta a Gideão:

Então o anjo do Senhor veio, e sentou-se debaixo do carvalho que estava em Ofra e que pertencia a Joás, abiezrita, cujo filho Gideão estava malhando o trigo no lagar para o esconder dos midianitas. Apareceu-lhe então o anjo do Senhor e lhe disse: O Senhor é contigo, ó homem valoroso.” (Jz 6: 11 – 12).

Deus me chamou a atenção para a palavra “valoroso”. No texto hebraico essa palavra corresponde a “Chayil”, que significa “homem de diferentes recursos”. Passei a olhar para Gideão procurando ver nele a criatividade que Deus havia visto. E encontrei.

Quando todo o seu povo se escondia em cavernas por medo dos inimigos midianitas, Gideão salvava o trigo que podia malhando-o em um lagar (o último lugar em que os midianitas procurariam por trigo). Uma ideia, no mínimo, criativa.

Após receber do Senhor a ordem de libertar o povo da opressão inimiga, Gideão consegue reunir um exército numeroso, mas Deus, criativamente, o manda selecionar o povo:

E Gideão fez descer o povo às águas. Então o Senhor lhe disse: Qualquer que lamber as águas com a língua, como faz o cão, a esse porás de um lado; e a todo aquele que se ajoelhar para beber, porás do outro.” (Jz 7: 5).

Um método curioso de se escolher um exército, porém Gideão não o questiona. Só uma pessoa que pensa criativamente, entende a criatividade do Senhor.

Por fim, a estratégia usada para vencer os midianitas não pode ser chamada de convencional. Seguro em Deus que a vitória seria sua, Gideão pode soltar a criatividade e crer que ganharia a batalha sem perder um só soldado, sem brandir uma só espada. Como toda pessoa criativa, ele se vale dos recursos ao seu redor. Seus trezentos homens estavam acampados nos montes acima dos midianitas, uma posição que os favorecia, mas, com trezentos homens, não os levaria à vitória. Deus deixou Gideão à vontade para usar uma estratégia criativa:

Então dividiu os trezentos homens em três companhias, pôs nas mãos de cada um deles trombetas, e cântaros vazios contendo tochas acesas, e disse-lhes: Olhai para mim, e fazei como eu fizer; e eis que chegando eu à extremidade do arraial, como eu fizer, assim fareis vós. Quando eu tocar a trombeta, eu e todos os que comigo estiverem, tocai também vós as trombetas ao redor de todo o arraial, e dizei: Pelo Senhor e por Gideão!” (Jz 7: 16 – 18)

Gideão esperou a hora da troca da guarda (um momento tenso para quem está em guerra) e usou sua posição privilegiada para aterrorizar os midianitas com trezentas trombetas sendo tocadas ao mesmo tempo e as luzes de trezentos homens enfileirados (aparentemente descendo dos montes). Certamente os inimigos acreditaram que as três fileiras de cem homens descendo a montanha traziam atrás de si outros milhares, pois o som de trezentas trombetas tocadas no alto de um monte produziriam um efeito acústico ensurdecedor no fundo do vale.

Os filhos de Israel saíram vitoriosos porque Deus criou as condições para que um homem pudesse usar o que havia de melhor em si. Os recursos para libertar o povo já estavam nas mãos de Gideão. Deus disse a ele: “Vai nesta tua força...”, ou seja, a criatividade necessária para vencer já estava dentro dele. Deus despertou o melhor em Gideão e garantiu sobrenaturalmente a vitória.

Isso me faz crer que Deus nos quer atentos a oferecer a Ele nossas melhores qualidades, nossos dons, nossos talentos; mesmo que isso nos traga riscos, seja o medo de um inimigo que nos cerca ou o risco de um choque elétrico.