quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Vestes de louvor

Há dois meses, aproximadamente, recebi um diagnóstico que, no fundo, no fundo, eu já tinha certeza: hipertensão.
Minha primeira reação foi a preocupação leve, pois, estava cerca de quarenta quilos acima do peso recomendado para alguém da minha estatura, então concluí que bastava perder peso e tudo se resolveria. Entretanto, o médico não foi tão animador e me disse que pelo histórico de minha família seria muito provável um caso de hipertensão crônica. Na dúvida, ele optou por iniciar uma medicação para regularizar a situação até que eu perca o peso necessário.
Nem preciso dizer que a preocupação, outrora leve, transformou-se em um tormento que me fez cair em um circulo vicioso: minha pressão aumentava e eu me preocupava com isso fazendo com que ela subisse mais ainda e com que eu me preocupasse mais ainda....
Meu receio era que uma das complicações provenientes da hipertensão me acometesse: um AVC, um enfarto ou algo parecido. Minhas preocupações, todavia, não eram em relação a mim mesmo, mas com minha família. Como minha esposa e meus filhos (ainda pequenos) cresceriam sem o pai por perto. Como explicar a eles que aquelem homem grandalhão que parecia um rochedo havia morrido de uma doença silenciosa? Como conviver com a ideia da solidão que eu deixaria no coração da minha esposa? Esses pensamentos estavam me consumindo.
Tamanha era a preocupação que coisas mínimas causavam um transtorno muito grande em meu humor (pode não parecer até aqui, mas geralmente sou bem humorado. leia os outros posts e confira!). Um simples defeito no carro era capaz de arruinar meu dia, de me deixar inerte diante de uma pequena dificuldade. Certo dia fiquei duas horas esperando o socorro de um mecânico que, quando chegou, não fez absolutamente NADA. Só pediu que eu virasse a chave para ver o defeito (que não estava mais lá). Pedi mil desculpas, disse a ele que havia tentado a mesma coisa, só que sem sucesso. Ele não quis cobrar, mas o convenci a aceitar a compensação pelo tempo e o combustível gastos.
Outros pequenos problemas surgiram naquela semana e quase todos me tiraram a paz até que, depois de um dia daqueles, decidi ir para casa ao invés de ir para o trabalho. Avisei meu chefe da minha impossibilidade de comparecer naquele dia e pedi que ele avisasse aos alunos sobre minha ausência.
Chegando em casa, abri meu coração para minha esposa a respeito de como essas pequenas angústias estavam roubando minha paz. Ganhei um abraço, um sorriso e o apoio de minha amada de forma doce e acalentadora.
Naquele exato momento, meus filhos irromperam cozinha adentro me chamando para brincar com eles. Mesmo que empurrado pela responsabilidade de pai, me permiti ser arrastado para o quarto deles e pedi que cada um escolhesse um brinquedo para levar para a sala. Foi quando vi o violão do Caio César (meu filho mais velho) e escolhi meu "brinquedo". Sentei-me na sala com eles, afinei as cordas já gastas do instrumento e arrisquei um louvor. Comecei a cantar uma canção de Cláudio Claro (Pão da vida),  e João Marcelo (meu filho mais novo) parou imediatamente de brincar e sentou-se ao meu lado tentando me acompanhar mesmo sem conhecer a letra. Minha esposa entrou na sala (estava voltando da padaria com um pão quentinho!) e sorriu  entrando no coral imediatamente. Caio achegou-se para ouvir e cantamos juntos, adorando a Deus. Lembrei-me de que o computador da sala estava ligado e consultei a cifra de uma outra canção na internet. Adoramos mais um pouco e, ao fim daquela música, percebi que minha inquietação havia se dissipado. Quando abri os olhos e olhei para o lado, João estava prostrado e em lágrimas de adoração (ele tem apenas seis anos), percebi então que aquele momento íntimo de adoração era o que estava faltando em minha vida.  É o momento que você escolhe dizer ao Pai que Ele é digno de toda honra, todo louvor e toda a gratidão.
Passamos a ouvir canções antigas de adoração até que uma me chamou a atenção: "O espírito do Senhor está sobre mim (...) ele me ungiu para pregar boas-novas as quebrantados e derramar óleo de alegria ao invés de cinzas e VESTES DE LOUVOR AO INVÉS DE ESPÍRITO ANGUSTIADO".
 Entendi por que minha inquietação havia passado.
Lembrei-me das palavras que o Espírito Santo vinha semeando em meu coração há alguns dias atrás: "Adorar é reconciliar-se com Deus". 
A adoração era, para o povo de Deus no Antigo Testamento, uma forma de se reconciliar com o Senhor. As ofertas de sacrifícios eram a admissão da culpa e o pedido de perdão. E isto era a adoração! 
Erguer o altar, sacrificar, queimar a oferta, deixar Deus satisfeito. Isto era a adoração!
Adoração era um pedido de reaproximação. Um pedido de "repatriamento", Um pedido para voltar a ser aceito como filho.
Abel sabia disso. Enos sabia disso. Noé sabia disso. Abraão sabia disso. Davi sabia disso. A mulher na casa do fariseu sabia disso. 
Jesus se fez adoração ao se entregar na cruz nos reconciliando permanentemente com o Pai.
Graças a Deus pela oportunidade de adorar!

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Todas as coisas

Justiça é uma ideia que mexe com qualquer ser humano, seja ele da idade que for.
Recentemente, li um artigo em uma revista da área de educação em que pesquisadores afirmavam que o senso de justiça dos bebês de oito meses a um ano já estava bastante desenvolvido. Em uma série de desenhos animados, um dado personagem cometia maldades com os demais, entretanto dois finais distintos eram exibidos, no primeiro, o "malvado" era punido pelas suas atitudes, em outro final, os amiguinhos o perdoavam pelos seus erros. A reação foi surpreendente para os pesquisadores: os bebês se decepcionaram quando o "malvado" foi perdoado e uma das crianças chegou a caminhar na direção da tela e  "dar umas palmadas" no personagem que não puniu o malvado.
Essa experiência mostra que, desde cedo, clamamos por justiça e na ausência da mesma, dispomo-nos, de certa forma, a impô-la do nosso modo. O problema reside aí: até que ponto nossa justiça é eficaz? Até que ponto ela é JUSTA?
A Palavra de Deus me chama a atenção para dois discursos sobre justiça. O primeiro nos diz que nossas justiças são como "trapo de imundícia". Essa expressão se referia ao pano utilizado pelas mulheres para conter o fluxo menstrual. Com essa figura de linguagem, Deus estava nos dizendo que nossa justiça é, por natureza, parcial, corrupta e, consequentemente, impura.
Deus estava deixando laro que somos falhos em avaliar de forma justa as situações, pois para o homem é impossível sondar as motivações do coração de quem está sob julgamento. Atitudes aparentemente más podem ser motivadas pelos mais nobres sentimentos, por exemplo, as correções aplicadas por Deus ao Seu povo quando este maculava a aliança estabelecida. O homem não consegue vasculhar a alma em busca do arrependimento após o erro e, por isso, julga cm mais severidade do que deveria.
Daí a advertência de Jesus para não nos colocarmos no papel de juízes de nossos irmãos. Não se conclua daí que devemos fechar os olhos para as atitudes erradas daqueles que nos cercam, antes é uma advertência a não fecharmos a porta da reconciliação conosco ou com o Altíssimo, jogando o infrator na condenação prévia.
Por falar em reconciliação, o outro texto que me remete à ideia de justiça na bíblia é a famosa exortação proferida por Jesus: "Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e as todas as coisas vos serão acrescentadas".
Normalmente nos fixamos na exortação à busca pelo reino (o que é nobre) e queremos que por meio dessa busca, todas as coisas sejam acrescentadas; mas rareiam as vezes em que nos preocupamos com a "sua justiça". Creio que a buscamos menos por compreendê-la menos. Afinal, o que é a Justiça do reino?
Se pensarmos que Deus olhou para a terra e não viu um justo sequer, talvez percamos a esperança de encontrar a justiça entre os homens, mas Jesus nos garante que seremos referencial de justiça quando Ele nos justifica por meio de seu sacrifício. Fomos justificados em Cristo Jesus, isso equivale a dizer que fomos transformados em justos, não por nossos méritos, mas por que adentramos o "reino" ao nos rendermos ao Messias. A justiça do reino é algo que vem a nós quando buscamos ao Senhor por meio da reconciliação com Jesus. Depois de reconciliados temos acesso à justificação e passamos à condição de portadores da justiça do reino (não por mérito,mas por graça) e quanto mais próximos do coração de Deus queremos estar, mais próximos da Sua justiça iremos chegar.
Quando compreendemos o reino e sua justiça dessa forma vem sobre nós a compreensão do porquê de todas as  coisas serem acrescentadas: quando buscamos o coração de Deus passamos a desejar os seus sonhos e, justificados pela graça, compreendemos os recursos que Ele se propõe a confiar a nós.
Passamos a entender, então, que todas as coisas são acrescentadas aos que buscam, permanentemente, a reconciliação, com Deus e com os irmãos, pois onde há a reconciliação, há o perdão contínuo e onde há o perdão contínuo não há lugar para julgamentos humanos, logo, a única justiça presente é a justificação por meio de Cristo Jesus.
Em um reino como esse não há espaço para a tentação de exercermos a justiça própria.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

"GANHANDO" ALMAS PARA DEUS

Durante um tempo, minha igreja utilizou uma prática de discipulado muito simples. Nós nos reuníamos em grupos nas casas e, caso alguém decidisse entregar a vida a Jesus em uma dessas reuniões, o líder do grupo ficava incubido de inseri-lo na vida cristã e no convívio comunitário. Era um trabalho árduo, pois muita coisa era feita de forma individual, apenas o "discipulador" e o novo "discípulo", desta forma, não era viável para alguém com responsabilidades como cumprir horário de trabalho, ter muitos "discípulos" de uma só vez.
Em quatro anos, devo ter conseguido acompanhar três ou quatro pessoas 
Não é preciso dizer que esse método surte resultados bem diferentes daqueles que qualquer igreja deseja. Não se "explode" em número de membros trabalhando assim, pois o inserir uma pessoa na vida em Cristo, leva tempo, não se faz com um determinado número de versículos que o "discípulo" venha a memorizar, em se pode fixar prazos para que o neófito atinja a maturidade suficiente para o alimento sólido.  Antes se faz com demonstrações de vida com Deus.
Lembro-me de receber algumas pessoas na minha casa para esses encontros de discipulado. A maioria das vezes, a reunião era o motivo de um almoço ou de um "cafezinho" à tarde. Alguns acompanharam os primeiros anos de meus filhos e foram chamados por eles de "tios". Alguns precisaram ser acompanhados por mim e minha esposa e isso implicava em dar bom testemunho em meu casamento para que a noção de família dentro dos planos de Deus pudessem ser ensinados.
Digo isso para mostrar como leva tempo e é trabalhoso (também muito prazeroso) conquistar uma vida para o Reino de Deus. Não é uma questão de contabilidade de almas, é uma questão de qualidade de cristãos.
Não obstante esse "trabalhão", alguns desses "discípulos", em algum momento, deixaram a igreja e partiram para outras congregações ou mesmo deixaram de congregar qualquer lugar. Imagine o quão frustrante é para alguém que investiu tempo e expectativas e uma pessoa para depois vê-la ir para outra igreja ou, pior ainda, vê-la voltar ao "mundo".
Muito me incomodou essa situação até que, um domingo à noite, um dos jovens que recebia em minha casa compareceu ao culto e eu, desatento, não o tinha visto até que ele veio falar comigo. Alguns anos haviam passado desde nossa última reunião e ele já não era um adolescente, mas um homem feito, acompanhado pela noiva. Nossa conversa durou algumas dezenas de minutos e ele contou das mudanças de vida desde então, seu trabalho, os estudos, a vida afetiva etc. No fim do papo, eu o abracei disse que estava muito feliz em revê-lo e nos despedimos. Quando entrei no carro, atentei que não havia falado nada sobre a vida espiritual dele nem o havia convidado a voltar.
No domingo seguinte, lá estava ele! Desta vez em uma aula da escola dominical. Quan não estava era eu. Depois da ministração da aula, sem que houvesse apelo, aquele rapaz disse que gostaria de entregar a vida a Jesus, pois agora compreendia a necessidade de fazer tal entrega.
Os anos amadureceram a palavra naquele jovem.
Outros com histórias parecidas também se afastaram e se estabeleceram em outras congregações.
Deus me chamou a atenção para o fato de que os "discípulos" não eram MEUS, mas DELE.
Nenhuma ira ou mágoa permaneceu em meu coração depois disso, apenas a compreensão de que não há trabalho vão quando o assunto é ganhar almas.
Mas por que contei tudo isso?
Ao olhar o site de uma determinada igreja midiática, a página de abertura exibia  (pasmem!) um contador de almas, já na casa dos milhares e, ao lado desse número, os números do último megaevento (era exatamente esse o termo empregado) promovido pela denominação: onze mil almas.
Impressionante, não?
Meu primeiro pensamento foi: quem vai acompanhar tanta gente?
Certamente o preletor responsável pela pregação nesse dia não deve ter espaço na agenda para atender as onze mil almas.
Fiquei constrangido, não pelo contraste entre  o desempenho do "megapreletor" e o meu, mas porque uma simples coisa foi esquecida pelo reponsável pela página: Almas não são apenas números em um contador. Almas são HISTÓRIAS DE VIDAS que continuam a ser escritas depois de um encontro com Jesus.  

terça-feira, 20 de setembro de 2011

QUANDO A RELIGIÃO É DEMAIS

Já comentei em alguma história anterior que, durante minha adolescência, pratiquei natação. Comecei a nadar por conta de uma recomendação médica e tomei gosto pelo esporte. O clube em que eu treinava ficava distante da minha casa, era necessário viajar uns vinte e cinco minutos de ônibus para frequentar uma aula de cinquenta minutos, três vezes na semana.

Depois que passei da fase de aprendizado dos quatro estilos, eu e meus colegas fomos “promovidos” à turma de aspirantes a atletas do clube. Começamos a participar de competições internas e a duração dos treinos aumentou, passando a duas horas, três vezes na semana. Nessa fase, éramos observados pelos treinadores do clube para que eles escolhessem os mais talentosos e os colocassem na equipe principal. Vez por outra, um integrante dos aspirantes era convidado a participar de uma competição externa junto com os atletas. Era o teste que poderia nos transformar em atletas do clube ou fechar definitivamente as portas para a carreira de nadador. Todos nós esperávamos ansiosos o dia em que o convite chegaria.

O meu chegou.

Eu e um colega chamado Alexandre fomos avisados que participaríamos de uma competição junto com a equipe principal. O evento ocorreria em algumas semanas e nosso treinador nos motivava dizendo que o sucesso ou o fracasso só dependia do nosso empenho.

Eu e Alexandre aproveitamos as semanas que vieram pela frente para treinar como nunca. Ficávamos na piscina durante a nossa aula e nos estendíamos para aproveitar os minutos de intervalo entre uma aula e outra. Só saíamos da piscina quando a turma seguinte estava na borda olhando para nós de cara feia.

A última semana foi ímpar! A competição era no sábado pela manhã e nós aproveitamos a sexta para um último treino. Participamos do treino anterior ao nosso horário e ficamos para o treino depois do nosso. Nós tínhamos certeza que nosso empenho agradaria nosso treinador.

Finalmente o dia da competição chegou. Eu participaria de duas provas: cinquenta metros nado livre e duzentos nado livre por equipe. Eu me sentia bem, mas depois da primeira prova (os cinquenta metros individuais) fiquei decepcionado com o quinto lugar na minha bateria. Certamente eu não seria classificado para as finais. Entretanto, ainda restava a prova por equipe.

Havia dois integrantes da equipe principal e eu e o Alexandre da equipe de aspirantes. Os atletas abririam e fechariam a prova, por serem mais rápidos, e nós deveríamos administrar e manter o resultado até que o último atleta da equipe ( o mais rápido dos quatro) seria o homem que decidiria a prova.

Foi outro fiasco!

O primeiro da equipe conseguiu fixar a segunda colocação para nós. Alexandre perdeu duas posições e caímos para quarto lugar. Eu mal consegui sustentar a quarta posição e nosso último nadador não conseguiu recuperar as posições que eu e Alexandre perdemos.

Eu estava exausto! Alexandre estava exausto. Mas os dois outros atletas estavam bem. Não conseguíamos entender por que estávamos tão cansados se fazíamos aquelas distâncias com tranquilidade durante os treinos. Foi quando, silenciosamente, cheguei a uma conclusão: Eu treinei demais! Não aguentei a carga a que eu mesmo me impus. O que deveria me aproximar do sucesso como atleta acabou me afastando da chance de entrar para a equipe principal.

Assim é a religião.

Na parábola do bom samaritano, um sacerdote e um levita passam pelo homem ferido e desviam seu caminho para não ter de socorrer aquele necessitado. Ambos estavam impedidos pela lei de se aproximarem de coisas mortas e, caso o homem ferido morresse durante o socorro, os religiosos estariam descumprindo a lei. Era mais “seguro” isentar-se de prestar auxílio do que correr o “risco” de tornar-se infrator da lei.

Para não transgredir a lei, eles preferiram sacrificar a vida daquele pobre homem.

A religião os impediu de exercer a misericórdia. Impuseram a si mesmos um estilo de vida com tantos jugos que não conseguiam mais fazer o que era certo por receio de descumprirem o sistema que eles mesmos haviam lançado sobre seus ombros. Achavam que se empenhando em cumprir a lei agradariam o coração do Pai. O que eles julgavam que os aproximaria de Deus havia impedido o sacerdote e o levita de refletirem a bondade de Deus.

Precisamos nos livrar das amarras da religião para nos aproximarmos, de fato, do evangelho do Senhor Jesus. Ele mesmo nos advertiu:

Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifícios.”(Mt 9:13).

A religião nos desgasta, nos sobrecarrega e nos impede de alcançar o que realmente queremos. O evangelho nos alimenta. Jesus é a palavra, Ele é o pão, Ele é a vida. Nele, não na religião, temos o que é necessário para alcançar o coração do Pai.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Com as capas aos pés

Quando meu filho mais velho estava recém-nascido, precisei ir à cidade vizinha resolver um problema. Como tinha alguma pressa, tomei o primeiro ônibus que passou com destino ao lugar onde eu queria ir. A linha daquele ônibus, passava por um desvio para poder atender a uma comunidade que ficava distante da estrada principal, isso consumia quase uns quinze minutos, mas mesmo assim achei que seria melhor pegar aquele ônibus do que ficar esperando indefinidamente um outro.

Tudo corria bem até que, na saída da tal comunidade a que me referi, um homem ferido e ensanguentado entrou pela porta da frente gritando com o motorista. Ele tinha uma das mãos dentro do casaco, dando a impressão que estaria armado. Os passageiros entraram em pânico. O homem mandou que o motorista fechasse as portas do ônibus e saísse daquele lugar, mas logo em seguida uma pequena multidão cercou o ônibus exigindo que o homem ensanguentado fosse posto para fora. As pessoas de fora do veículo gritavam para que nós ficássemos calmos, que ele não estava armado. Nesse momento, alguns passageiros acionaram as saídas de emergência do ônibus e começaram a saltar pelas janelas. O motorista abriu a porta traseira e os passageiros restantes saíram apressados. Ficaram somente o motorista e o homem ensanguentado.

Algumas pessoas da multidão tentavam invadir o ônibus enquanto outros vociferavam que ele era um ladrão responsável por alguns roubos que vinham acontecendo naquela localidade. O motorista tentou retirar o veículo do local, mas a multidão o impedia. Por fim, o cobrador do ônibus nos levou para um lugar afastado para que pudéssemos prosseguir viagem no próximo ônibus que passasse. O clima ficava cada vez mais tenso. O linchamento daquele homem se tornava cada vez mais evidente. Como não tinha um telefone comigo, perguntei quem teria um para ligarmos para a polícia. Uma das passageiras respondeu que seria mais seguro para nós não interferir. Mesmo assim perguntei novamente se alguém tinha um telefone, mas as palavras daquela mulher encheram o coração dos passageiros de medo. Ninguém emprestou o telefone.

Antes que o pior acontecesse, outro ônibus resgatou os passageiros e, antes de sairmos, ainda pude ver uma ambulância dos bombeiros se aproximando do local onde o homem tinha sido capturado. Não sei o que foi feito dele, mas não creio que ele tenha sobrevivido à fúria daquela multidão.

Isso me incomodou durante muito tempo e me incomoda até hoje. Também me lembrou de um episódio envolvendo Saulo e Estêvão:

E, expulsando-o da cidade, o apedrejavam. E as testemunhas depuseram as suas capas aos pés de um jovem chamado Saulo.” (At 7:58)

Saulo havia se voluntariado a segurar as vestes daqueles que estavam a apedrejar Estêvão em uma atitude de aprovação sobre a decisão daqueles homens. Saulo, veladamente, decidiu apedrejar Estêvão sem lançar nenhuma pedra. Ele simplesmente consentiu.

Minha reflexão hoje me leva a pensar em quantas vezes consentimos na “morte” daqueles que julgamos indignos do Reino.

Quantas palavras liberamos a respeito do suposto trabalho vão das pessoas que tentam resgatar os destruídos por Satanás. Quantas vezes meneamos a cabeça e vaticinamos: “- Não tem jeito!”, quando o assunto é o sujeito moralmente incorreto, a quem alguém tenta insistentemente apresentar as portas do Reino.

Seguramos as capas dos apedrejadores quando nos omitimos sobre os pesados fardos que eles lançam sobre os ombros daqueles que querem a simplicidade do servir a Cristo e, ao mesmo tempo, negam a esses simples o direito de se aproximarem de Jesus e receberem do Mestre o jugo suave que Ele nos garante.

Concordamos com o apedrejamento público daqueles que ousam reconhecer suas falhas e assumir seus pecados condenando-os ao desprezo e esquecendo-nos de que fomos ensinados a perdoar setenta vezes sete, simplesmente por não lembrarmos aos apedrejadores que a misericórdia vale mais que o sacrifício.

Vivemos com muitíssimas capas aos nossos pés. Entretanto, dormimos tranquilos porque não foram nossas mãos que lançaram as pedras.

Que o Senhor tenha misericórdia de nós.

sábado, 27 de agosto de 2011

Por algumas carambolas


Na rua em que eu morava com minha família havia muitas outras crianças além de mim, meu irmão e meus primos. Nós brincávamos muito, particularmente, com dois irmãos que moravam quase de frente para a nossa casa. Eles eram filhos de um casal que viera de Minas Gerais havia quase tanto tempo quanto a minha família materna tinha vindo do Nordeste.

Eles eram muito simpáticos e sempre havia outras crianças no seu portão chamando seus filhos para brincar. O casal era tão receptivo que o portão de sua casa ficava aberto quase todo o tempo e nós tínhamos o hábito de entrar e chamar os meninos da varanda da casa (que ficava quase na metade do comprimento do terreno, cerca de quinze metros do portão). Outro detalhe que me vem à memória é o pé de carambola que ficava de frente para a varanda.

Esta árvore era relativamente pequena em altura, a ponto das frutas ficarem ao alcance de nossas mãos sem que precisássemos subir em seus galhos. Quando era época dessas frutas, o aroma das carambolas podia ser sentido do portão da casa deles.

Em uma das vezes que passei por esse aromático portão, fui atraído pelo apelo das carambolas. Entrei, encostei o portão, fui até a varanda e perguntei à dona da casa se poderia colher algumas frutas. Ele respondeu positivamente e me deixou à vontade e retornou a seus afazeres. Colhi as frutas que meus braços alcançaram, mas havia algumas que estavam um pouco mais acima que estavam incrivelmente atraentes. O esforço para pegá-las seria mínimo e subi em uns galhos para chegar até elas. Foi então que me dei conta de um obstáculo: uma colmeia de marimbondos estava no meu caminho. Mesmo diante dos pequenos adversários não me intimidei e prossegui em direção ao meu objetivo. Os marimbondos fizeram uns voos de advertência ao meu redor mas não me ferroaram. Colhi as carambolas e desci da árvore.

Quando estava na segurança do solo decidi me vingar dos meus alados agressores pela afronta que me tinham feito e atirei uma pedra contra a colmeia. Nunca desejei tanto que minha pontaria falhasse como naquele dia! O tiro de pedra foi certeiro e, em segundos, uma pequena nuvem negra de insetos se formou voando na minha direção. Sem pensar muito, corri em direção ao portão e, enquanto o abria, senti uma única ferroada na parte de trás do meu ombro. A dor foi inversamente proporcional ao tamanho daquele bicho e um enorme calombo se formou no local. Fiquei ainda alguns dias sentindo o reflexo daquela ferroada e minha memória jamais me permitiu fazer tal asneira novamente.

Muitas vezes nossa atitude em relação ao pecado é muito parecida com a minha atitude com os marimbondos: geralmente nos aproximamos dele sem nos dar conta, visando algo que satisfaça nossas “necessidades” físicas ou emocionais. Somos sondados pelo pecado e, a princípio, nos afastamos assustados; mas, depois de alguns flertes com ele sem sofrermos consequências, ficamos cheios de confiança e passamos a acreditar que somos inatingíveis e, nesse momento, o pecado nos ferroa impiedosamente e nos damos conta de seu poder destruidor.

Todos nós, em maior ou menor escala, já experimentamos a dor do pecado, já amargamos a consequência impiedosa de seu ataque e já nos perguntamos por que caímos em sua cilada. Saber que a natureza pecaminosa está em nós não traz o consolo desejado nem nos alivia a alma. Um pecador cercado pela nuvem do pecado sempre o sentirá ameaçadoramente perto. Diante disso, que fazer?

Nessa hora tudo o que se pode dizer a alguém atormentado pelo peso de saber que errou é de pouca valia. Somente algumas poucas (mas preciosas) palavras têm, de fato o poder restaurador que um pecador precisa:

Se confessarmos os nossos pecados, ele (Jesus Cristo) é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1Jo 1:9)

Não é o que dizemos ao pecador arrependido que o liberta, antes, é o que ele está disposto a dizer ao Senhor Jesus que fará a diferença entre permanecer com a dor das ferroadas ou provar apenas o doce sabor dos frutos do perdão.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Três moedinhas


Eu devia ter mais ou menos uns cinco anos.

Minha mãe cuidava de nós quase que vinte e quatro horas por dia. Entretanto, quando era necessário, ela sempre pedia ajuda a uma das minhas tias e eu ficava muito contente quando a tia com quem eu ficaria era a Tia Maria.

Não era só pelo fato de ela ser a mais paciente, mas ela era a irmã mais velha da minha mãe e tinha três filhas já adolescentes que inventavam brincadeiras pra me distrair e contavam histórias de uma pequena enciclopédia infantil (que eu particularmente gostava muito) o que tornava minha estadia na casa muito mais agradável que quando eu ficava com as outras tias.

Esqueci-me de dizer que, nessa época, minha tia e meu tio Gilvan (assim como meus pais) ainda trabalhavam como feirantes. Ele vendia frutas e legumes e ela vendia salgadinhos ao lado da barraca dele. Como feirantes, eles lidavam com um volume razoável de dinheiro de pequeno valor (que aos olhos de uma criança parecia uma fortuna!) e era muito comum ter moedinhas por cima dos móveis da casa dela.

Em uma das inúmeras vezes em que fiquei sob os cuidados da Tia Maria, encontrei várias moedas sobre um dos móveis e achei que não teria mal nenhum se eu ficasse com algumas, afinal, eram tantas que ela nem daria falta. Assim eu fiz e, como eu disse, ninguém percebeu a falta das moedas.

Fui desmascarado quando voltávamos para casa e meu irmão pediu para minha mãe comprar alguma coisa e ela respondeu que estava sem dinheiro. Prontamente, eu disse:

- Eu tenho dinheiro!

Minha mãe, muito intrigada, perguntou onde eu havia encontrado dinheiro e eu respondi:

-Peguei na casa da Tia Maria! Ela tinha um montão!

Minha mãe me explicou que eu não poderia pegar nada sem pedir antes e disse que o que eu havia feito era errado e se chamava roubo. Ela ainda me fez guardar as moedas até a próxima ida até a casa da minha tia para devolvê-las acompanhadas de um pedido de desculpas.

Quando o dia chegou, parei na frente da Tia Maria com aquelas três moedinhas na minha mão fechada e disse, abrindo a mão e revelando meu erro:

- Aqui, tia, as moedinhas que eu roubei da senhora.

É claro que eu fiz isso chorando e me abracei com ela.

Tia Maria, pacientemente, disse que não tinha problema. Que aceitava minhas desculpas e que eu até poderia ficar com as moedinhas. Olhei para minha mãe e percebi seu olhar me autorizando a aceitar o presente.

Minha tia achou a disciplina da minha mãe um pouco exagerada, mas era o jeito dela de ensinar e resolver os problemas do nosso dia a dia.

Entretanto, hoje percebo que, mais que me ensinar a não roubar, minha mãe estava me ensinando um princípio da Palavra de Deus:

Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1Jo 1: 9).

Talvez, sem se dar conta, minha mãe me ensinou que apenas quando reconhecemos nossos erros estamos nos candidatando ao perdão.

Muitas pessoas têm ficado presas aos erros do passado pelo simples fato de não admiti-los como erros. Certamente que o temor em seus corações é a possibilidade de não receberem o perdão das pessoas que magoaram, o receio é que a dor das consequências suplantem os benefícios de um coração em paz.

Ainda mais grave que não conseguir pedir o precioso perdão a outro ser humano é achar que Deus nos tratará como um tirano enfurecido incapaz de ser compassivo com alguém que cometeu uma falha. Esquecemos que Ele é um pai amoroso e completamente fiel ao que diz:

O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia” (Pv 28:13)

Deus me fez ver através do amor da minha tia que Ele, o Pai, que me ama infinitamente mais que qualquer pessoa jamais poderá me amar, tem Seu coração inclinado a liberar seu perdão gratuitamente a todos os que se arrependem e têm o coração quebrantado.

Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo.” (1Jo 2: 1)