Quem nunca se meteu em confusão aos doze anos?
Certo dia eu estava voltando para casa, a rua estava deserta quando encontrei o vizinho que morava na casa de frente para a minha. Ele era de uma família cinco irmãos que não se davam muito bem com os outros meninos da rua e, por essa razão, eu não tinha muita afinidade com eles.
Não me lembro como a discussão começou, mas me lembro que não demorou muito para que nós estivéssemos engalfinhados brigando pelo chão. Tinha chovido no dia anterior e minha rua era de terra, portanto, havia muita lama e o efeito da areia molhada piorava a sensação de estar brigando no chão.
A briga estava equilibrada, apesar de meu vizinho ser mais velho, eu era um pouco maior que a média para minha idade e acreditei que depois de alguma troca de socos e insultos os dois acabariam desistindo daquele duelo inóspito na lama. Quando eu achei que meu adversário iria desistir, o portão de sua casa abriu e seus dois irmãos mais novos viram-no aparentemente em desvantagem. Foi a minha ruína!
Daquele momento em diante, passei a levar uma surra de um adversário furioso e de dois assistentes, no mínimo, incômodos (eles não batiam com força, mas criavam condição para que o irmão mais velho continuasse a me bater). Minha sorte começou a mudar quando um outro vizinho mais novo que eu (ele devia ter uns sete ou oito anos) saiu ao portão da sua casa e viu a briga. Ele era muito pequeno para intervir no combate, mas se dispôs a correr em direção a minha casa para pedir ajuda a alguém da minha família.
Tudo parecia se encaminhar para um desfecho, entretanto eu não sabia de um detalhe: meu vizinho benfeitor era gago e, como todo gago, ele ficou mais gago ainda por estar nervoso com a situação. Até que ele avisasse sobre a briga, eu ainda levei mais alguns minutos de socos e pontapés.
Por fim, minha mãe entendeu que algo grave estava acontecendo lá fora e chegou ao portão. Os meus algozes correram para sua casa com medo dela e eu pude me levantar com o orgulho tão ferido quanto meu corpo. Restou a mim encarar a bronca da minha mãe e dar explicações que eu mesmo não tinha.
Olhando para esse episódio pude perceber o quão frágeis são as nossas convicções quando confiamos no ser humano:
“Assim diz o Senhor: Maldito o varão que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor”(Jr 17: 5)
Não confiar no homem não se trata de deixarmos acreditar que as pessoas são capazes de cumprir o que se comprometeram a realizar, aliás, acreditar nas pessoas deve fazer parte das nossas convicções de fé (como iremos crer na transformação de vida de alguém se não dermos crédito à pessoa?); antes, não depositar a confiança no homem é não atribuir a ele o que só Deus é capaz de fazer.
Quando Deus nos adverte acerca de não confiar no homem, muito mais que não confiar nas outras pessoas, Ele quer nos lembrar de que não devemos nos estribar em nossas próprias forças. O Senhor, como Pai, quer nos tratar como filhos, mas precisamos nos sentir filhos para receber esse amor, como o próprio Senhor Jesus nos ensinou:
“Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, quem se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no reino dos céus.” (Mt 18:2 – 4)
Nossa força está na capacidade de dependermos da provisão que o Pai está disposto a nos fornecer. Como crianças que esperam a solução vinda do pai, como crianças que admitem que são dependentes somos desafiados a confiar no amor do Senhor e admitir que é Ele o único que pode, de fato, fazer o que nenhum homem é capaz de fazer.
Nosso maior inimigo na busca da dependência de Deus é a autossuficiência. É ela que nos dá a falsa impressão de que seremos capazes de solucionar nossos dilemas. É a autossuficiência que nos faz crer que nosso emprego garantirá a segurança de nossa família ou que nossa rede de relacionamentos dará conta de resolver qualquer problema que possa surgir em nossa vida.
A autossuficiência é uma mentira que só se revela em situações desesperadoras e aí está o seu efeito mais destruidor: quando estamos certos de que superaremos uma adversidade, nos deparamos com a ineficácia de nossos recursos. A doença para a qual não existe tratamento, o filho que enveredou por caminhos de marginalidade, é o companheiro que se entregou aos vícios ou ao adultério, contra essas coisas nosso braço falível de carne nada pode.
A receita para vencer a falácia da autossuficiência é simples (mas nem sempre fácil): voltar o coração ao Senhor. Nem sempre é fácil admitir que o que nos manteve isentos dos problemas não foi nossa habilidade em lidar com tais situações, antes, foi a mão misericordiosa do Senhor Jesus. Admitir isso significa negar nossa soberba, nossa altivez e esses são pecados que criam raízes imensamente profundas em nossa alma. Arrancá-las implica em abrir mão da parte do nosso ser que julga ser possível ao homem viver sem Deus.
Confiar em Deus é sempre a melhor opção. Quando confiamos em nosso braço sempre encontraremos a decepção, a derrota ou ainda três vizinhos furiosos dispostos a brigar.