domingo, 12 de junho de 2011

VOU PREPARAR-VOS LUGAR


Antes que eu tivesse nascido, meus pais compraram um terreno com uma pequena casa ao lado do terreno que a família da minha mãe já possuía. Por uma razão desconhecida por mim, meus pais não foram morar nessa pequena casa de imediato, antes alugaram uma casa em outra cidade e nessa nova cidade eu morei do meu nascimento até os seis ou sete anos de idade.

Um determinado dia, meus pais decidiram que era a hora de deixarmos a despesa do aluguel e construirmos uma nova casa no terreno que eles possuíam. Entretanto, a situação financeira não possibilitava que meus pais assumissem a despesa de uma construção daquele porte e continuassem a pagar o aluguel da casa em que morávamos. Vendo nosso dilema, a família da minha mãe concordou em nos ajudar e cederam uma casa que estava vaga no terreno ao lado do nosso.

A casa era muito antiga. Foi a primeira casa em que meus avós maternos moraram assim que chegaram do nordeste. Tinha apenas uma cozinha (que eu achava enorme), uma sala, um quarto e um banheiro. Era coberta com telhas (não havia casa de laje na época dos meus avós) e o telhado precisava de reparos em várias partes.

Eu e meu irmão dormíamos na sala e não nos incomodávamos com essa imposição, pois sabíamos que um quarto estava sendo construído para nós na casa nova. O maior inconveniente era em dias de chuva forte: as telhas quebradas se revelavam e as goteiras apareciam com uma intensidade incrível. Lembro-me de ver minha mãe posicionando vários baldes pela cozinha para conter os vazamentos que vinham do alto. A varanda então, nem se fala, se transformava em uma piscina. Os vazamentos no telhado da varanda eram tantos que eu, meu irmão e meus primos brincávamos de deslizar deitados com a barriga no chão para ver quem chegava mais longe (esqueci-me de dizer que a varanda se estendia por toda a frente da casa). Os dias de chuva eram, de fato, transtornos para meus pais e diversão para as crianças.

Quando nos mudamos para a casa nova pude ver a satisfação no rosto de meus pais por estarem nos proporcionando mais conforto e tranquilidade e depois de alguns anos a velha casa dos meus avós foi completamente demolida e reconstruída para que outros primos morassem nela definitivamente.

Assim a palavra de Deus nos ensina “em verdade vos digo que qualquer que não receber o Reino de Deus como criança, de maneira nenhuma entrará nele” (Mc 10:15).

Receber o Reino de Deus como criança é saber que, apesar de toda e qualquer adversidade presente, termos a convicção que nosso Pai está preparando uma morada melhor e mais excelente e isso nos faz superar as dificuldades, pois sabemos que nenhuma tribulação é maior que a graça vindoura de Deus. Receber o Reino como criança nos mostra que é possível fazer das dificuldades motivos para nos aproximarmos do Senhor e depender dEle para que a solução chegue até nós.

domingo, 5 de junho de 2011

Como chuva serôdia


Era só mais uma tarde de dezembro.

Eu, meu irmão, meus primos e os meninos que moravam na mesma rua que nós às vezes íamos jogar futebol no terreno de uma igreja próxima à nossa casa. Na maioria das vezes, nós encontrávamos o portão aberto e, lá dentro, alguém que sempre nos autorizava a usar o terreno.

Bem, se você também foi criança, sabe como elas pensam:

- Para que pedir quando o portão estiver fechado se nos deixariam entrar caso estivesse aberto?

Por essa razão nós sempre pulávamos o portão.

É obvio que a nossa lógica não era a mesma dos adultos, principalmente, não era a lógica do Sr. Severo (sim, esse era mesmo o nome dele!). Ele era uma espécie de zelador que não morava na igreja. Era a pessoa que chegava cedo para abrir tudo antes de qualquer reunião (que geralmente começavam às 7 da noite).

Já disse que era dezembro, portanto era verão. E verão, no Rio de Janeiro, significa duas coisas: dias mais longos e pancadas de chuva no fim da tarde.

Mas o que têm em comum o portão da igreja, o Sr. Severo, os dias mais longos e os temporais?

Como entrávamos sem pedir no terreno para jogar bola, o Sr. Severo (que fazia jus ao nome) sempre que nos surpreendia, gastava um bom tempo passando um sabão naqueles que não conseguiam se evadir na hora em que ele chegava. Para escapar da bronca, desenvolvemos uma estratégia: sabíamos que Severo entraria pelo portão social da igreja, do terreno, nós tínhamos uma visão privilegiada do portão social, então, quando Severo virava a chave na fechadura do pequeno portão, era dado o alerta para a fuga em massa.

Imagine uns quinze a vinte garotos se empoleirando no portão do terreno, todos de uma só vez. Acho que o temor do Sr. Severo era uma catástrofe envolvendo um portão esmagando uns quinze ou vinte garotos. Por conta de tantas “retiradas estratégicas”, todos estavam treinados em subir o portão e passar para o lado da rua com extrema facilidade.

Certa tarde, não foi o Sr. Severo que nos fez correr do terreno e largar o futebol.

A igreja ficava na parte mais alta de uma ladeira e, atrás do terreno da igreja, passava uma seqüência de ruas formadas por um pequeno condomínio. Estávamos entretidos com o jogo, eu estava no gol (o lugar mais próximo do portão de fuga) quando um barulho forte e crescente chamou nossa atenção. Era como o trotar de muitos cavalos se aproximando. Quando olhei com atenção, vi que era a chuva que se aproximava de nós e que o barulho era o som dos grossos pingos da chuva de verão sobre os telhados do condomínio vizinho.

Tudo isso, desde ouvir o som até notar que se tratava de um breve temporal, não demorou mais que alguns segundos. Sem que nenhum de nós dissesse nada, o jogo parou, todos viram a chuva se aproximando e, como num estouro de boiada, todos correram e puseram em prática, mais uma vez, a “retirada estratégica” a que estávamos acostumados.

É evidente que um bando de garotos suados de tanto correr atrás de uma bola não fugiria de uma refrescante chuva, na verdade, acho que, inconscientemente, todos queriam “apostar corrida” com aquela nuvem.

Pulei o portão e desci a ladeira em disparada, porém, após alguns passos, senti as gotas geladas caindo sobre a minha pele. Parei de correr e passei a aproveitar a chuva e, lentamente, caminhei até minha casa todo molhado e convicto de que não há como escapar de uma chuva inesperada.

Em Deuteronômio 11: 13 -14 encontramos uma promessa do Senhor:

E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar ao SENHOR vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite.

Entre tantos outros compromissos que Deus assume com seu povo, há o cuidado de derramar a chuva, tão necessária para que a provisão esteja garantida.

Há apenas uma condição para isso. Nossa inclinação imediata é pensar que a obediência é a condição. Sim, o Senhor ama a obediência de Seus filhos, porém aqui (e em vários outros lugares da Palavra) não é o observar de uma ordem que garante a sobrevivência. É o amor.

O Senhor declara que, se o amarmos, seremos abençoados. Mas note que o amor desejado pelo Pai não é um amor sujeito a variações (coisa bem típica em nós, seres humanos), não é um amor “cego”, aquele em que não se conhece, de fato, aquilo que se ama, mas um amor especial:

“de todo o vosso coração e de toda a vossa alma”

Coração nos fala do lugar em que depositamos aquilo que nos é precioso:

Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.” (Pv 4:23)

O amor pelo Pai deve estar guardado no lugar fortificado do nosso ser, no lugar onde ele não sofrerá abalos quando a tristeza nos alcançar, quando a perda ou a decepção nos atingir. Ele deve estar guardado no lugar para onde olharemos e encontraremos uma razão para esboçar um sorriso de alegria por saber que não estamos sozinhos.

O outra dimensão do amor pelo Senhor em nossa vida é a dimensão da alma. A alma (psique) é a zona de confronto de nossas emoções com nossa razão. Nossa razão geralmente luta contra nossos sentimentos e é por essa razão que Deus também quer estar no centro desse cantinho a quem mais ninguém tem acesso senão nós.

Amar com a alma nos fala de conhecer o ser amado, entender as razões pelas quais se ama alguém (amor é incondicional, mas sabemos por que razão amamos). É por essa razão que Deus nos fala:

E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (Rm 12:2).

Renovar nossa alma (entendimento) é a condição necessária para conhecermos a boa, perfeita e agradável vontade do Pai, mesmo que, naquele momento, ela não pareça tão boa, tão perfeita e nem tão agradável. Amar com a alma nos direciona a conhecer as razões que levam quem nos ama a agir da forma que age conosco. Deus precisa que o amemos com a alma para que saibamos por que estamos passando por isto ou aquilo.

Depois que entendemos tudo isso, o Senhor está pronto a derramar Sua chuva providencial sobre nós.

O problema é que nos comportamos como meninos tentando fugir da chuva: infringimos as regras, fazemos somente aquilo que nos agrada e, quando a exortação está próxima, pulamos o portão e corremos para nos afastar das bênçãos e da proteção do Pai.

Felizmente, a Palavra fala que Deus derramará a chuva serôdia. Serôdia é aquela chuva que vem quando não esperamos mais. É a chuva que restaura a esperança do agricultor que julgava ter perdido toda a safra. É a chuva que alcança nosso coração e nossa alma quando corremos para longe de Deus, quando descemos a ladeira de nossas vidas. Felizmente, a chuva serôdia é aquela que nos persegue e nos alcança quando não esperamos mais solução.

Assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se compadece daqueles que o temem. Pois ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó.” (Sl 103:13-14)

Ele sabe que somos pó e que, sem Ele, nossa vida é seca e precisa da chuva, ainda que tardia. E, quando somos envolvidos pela chuva da graça perdoadora do Senhor, chegamos a uma conclusão feliz e óbvia: não há por que querer escapar de uma chuva inesperada.