terça-feira, 20 de setembro de 2011

QUANDO A RELIGIÃO É DEMAIS

Já comentei em alguma história anterior que, durante minha adolescência, pratiquei natação. Comecei a nadar por conta de uma recomendação médica e tomei gosto pelo esporte. O clube em que eu treinava ficava distante da minha casa, era necessário viajar uns vinte e cinco minutos de ônibus para frequentar uma aula de cinquenta minutos, três vezes na semana.

Depois que passei da fase de aprendizado dos quatro estilos, eu e meus colegas fomos “promovidos” à turma de aspirantes a atletas do clube. Começamos a participar de competições internas e a duração dos treinos aumentou, passando a duas horas, três vezes na semana. Nessa fase, éramos observados pelos treinadores do clube para que eles escolhessem os mais talentosos e os colocassem na equipe principal. Vez por outra, um integrante dos aspirantes era convidado a participar de uma competição externa junto com os atletas. Era o teste que poderia nos transformar em atletas do clube ou fechar definitivamente as portas para a carreira de nadador. Todos nós esperávamos ansiosos o dia em que o convite chegaria.

O meu chegou.

Eu e um colega chamado Alexandre fomos avisados que participaríamos de uma competição junto com a equipe principal. O evento ocorreria em algumas semanas e nosso treinador nos motivava dizendo que o sucesso ou o fracasso só dependia do nosso empenho.

Eu e Alexandre aproveitamos as semanas que vieram pela frente para treinar como nunca. Ficávamos na piscina durante a nossa aula e nos estendíamos para aproveitar os minutos de intervalo entre uma aula e outra. Só saíamos da piscina quando a turma seguinte estava na borda olhando para nós de cara feia.

A última semana foi ímpar! A competição era no sábado pela manhã e nós aproveitamos a sexta para um último treino. Participamos do treino anterior ao nosso horário e ficamos para o treino depois do nosso. Nós tínhamos certeza que nosso empenho agradaria nosso treinador.

Finalmente o dia da competição chegou. Eu participaria de duas provas: cinquenta metros nado livre e duzentos nado livre por equipe. Eu me sentia bem, mas depois da primeira prova (os cinquenta metros individuais) fiquei decepcionado com o quinto lugar na minha bateria. Certamente eu não seria classificado para as finais. Entretanto, ainda restava a prova por equipe.

Havia dois integrantes da equipe principal e eu e o Alexandre da equipe de aspirantes. Os atletas abririam e fechariam a prova, por serem mais rápidos, e nós deveríamos administrar e manter o resultado até que o último atleta da equipe ( o mais rápido dos quatro) seria o homem que decidiria a prova.

Foi outro fiasco!

O primeiro da equipe conseguiu fixar a segunda colocação para nós. Alexandre perdeu duas posições e caímos para quarto lugar. Eu mal consegui sustentar a quarta posição e nosso último nadador não conseguiu recuperar as posições que eu e Alexandre perdemos.

Eu estava exausto! Alexandre estava exausto. Mas os dois outros atletas estavam bem. Não conseguíamos entender por que estávamos tão cansados se fazíamos aquelas distâncias com tranquilidade durante os treinos. Foi quando, silenciosamente, cheguei a uma conclusão: Eu treinei demais! Não aguentei a carga a que eu mesmo me impus. O que deveria me aproximar do sucesso como atleta acabou me afastando da chance de entrar para a equipe principal.

Assim é a religião.

Na parábola do bom samaritano, um sacerdote e um levita passam pelo homem ferido e desviam seu caminho para não ter de socorrer aquele necessitado. Ambos estavam impedidos pela lei de se aproximarem de coisas mortas e, caso o homem ferido morresse durante o socorro, os religiosos estariam descumprindo a lei. Era mais “seguro” isentar-se de prestar auxílio do que correr o “risco” de tornar-se infrator da lei.

Para não transgredir a lei, eles preferiram sacrificar a vida daquele pobre homem.

A religião os impediu de exercer a misericórdia. Impuseram a si mesmos um estilo de vida com tantos jugos que não conseguiam mais fazer o que era certo por receio de descumprirem o sistema que eles mesmos haviam lançado sobre seus ombros. Achavam que se empenhando em cumprir a lei agradariam o coração do Pai. O que eles julgavam que os aproximaria de Deus havia impedido o sacerdote e o levita de refletirem a bondade de Deus.

Precisamos nos livrar das amarras da religião para nos aproximarmos, de fato, do evangelho do Senhor Jesus. Ele mesmo nos advertiu:

Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifícios.”(Mt 9:13).

A religião nos desgasta, nos sobrecarrega e nos impede de alcançar o que realmente queremos. O evangelho nos alimenta. Jesus é a palavra, Ele é o pão, Ele é a vida. Nele, não na religião, temos o que é necessário para alcançar o coração do Pai.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Com as capas aos pés

Quando meu filho mais velho estava recém-nascido, precisei ir à cidade vizinha resolver um problema. Como tinha alguma pressa, tomei o primeiro ônibus que passou com destino ao lugar onde eu queria ir. A linha daquele ônibus, passava por um desvio para poder atender a uma comunidade que ficava distante da estrada principal, isso consumia quase uns quinze minutos, mas mesmo assim achei que seria melhor pegar aquele ônibus do que ficar esperando indefinidamente um outro.

Tudo corria bem até que, na saída da tal comunidade a que me referi, um homem ferido e ensanguentado entrou pela porta da frente gritando com o motorista. Ele tinha uma das mãos dentro do casaco, dando a impressão que estaria armado. Os passageiros entraram em pânico. O homem mandou que o motorista fechasse as portas do ônibus e saísse daquele lugar, mas logo em seguida uma pequena multidão cercou o ônibus exigindo que o homem ensanguentado fosse posto para fora. As pessoas de fora do veículo gritavam para que nós ficássemos calmos, que ele não estava armado. Nesse momento, alguns passageiros acionaram as saídas de emergência do ônibus e começaram a saltar pelas janelas. O motorista abriu a porta traseira e os passageiros restantes saíram apressados. Ficaram somente o motorista e o homem ensanguentado.

Algumas pessoas da multidão tentavam invadir o ônibus enquanto outros vociferavam que ele era um ladrão responsável por alguns roubos que vinham acontecendo naquela localidade. O motorista tentou retirar o veículo do local, mas a multidão o impedia. Por fim, o cobrador do ônibus nos levou para um lugar afastado para que pudéssemos prosseguir viagem no próximo ônibus que passasse. O clima ficava cada vez mais tenso. O linchamento daquele homem se tornava cada vez mais evidente. Como não tinha um telefone comigo, perguntei quem teria um para ligarmos para a polícia. Uma das passageiras respondeu que seria mais seguro para nós não interferir. Mesmo assim perguntei novamente se alguém tinha um telefone, mas as palavras daquela mulher encheram o coração dos passageiros de medo. Ninguém emprestou o telefone.

Antes que o pior acontecesse, outro ônibus resgatou os passageiros e, antes de sairmos, ainda pude ver uma ambulância dos bombeiros se aproximando do local onde o homem tinha sido capturado. Não sei o que foi feito dele, mas não creio que ele tenha sobrevivido à fúria daquela multidão.

Isso me incomodou durante muito tempo e me incomoda até hoje. Também me lembrou de um episódio envolvendo Saulo e Estêvão:

E, expulsando-o da cidade, o apedrejavam. E as testemunhas depuseram as suas capas aos pés de um jovem chamado Saulo.” (At 7:58)

Saulo havia se voluntariado a segurar as vestes daqueles que estavam a apedrejar Estêvão em uma atitude de aprovação sobre a decisão daqueles homens. Saulo, veladamente, decidiu apedrejar Estêvão sem lançar nenhuma pedra. Ele simplesmente consentiu.

Minha reflexão hoje me leva a pensar em quantas vezes consentimos na “morte” daqueles que julgamos indignos do Reino.

Quantas palavras liberamos a respeito do suposto trabalho vão das pessoas que tentam resgatar os destruídos por Satanás. Quantas vezes meneamos a cabeça e vaticinamos: “- Não tem jeito!”, quando o assunto é o sujeito moralmente incorreto, a quem alguém tenta insistentemente apresentar as portas do Reino.

Seguramos as capas dos apedrejadores quando nos omitimos sobre os pesados fardos que eles lançam sobre os ombros daqueles que querem a simplicidade do servir a Cristo e, ao mesmo tempo, negam a esses simples o direito de se aproximarem de Jesus e receberem do Mestre o jugo suave que Ele nos garante.

Concordamos com o apedrejamento público daqueles que ousam reconhecer suas falhas e assumir seus pecados condenando-os ao desprezo e esquecendo-nos de que fomos ensinados a perdoar setenta vezes sete, simplesmente por não lembrarmos aos apedrejadores que a misericórdia vale mais que o sacrifício.

Vivemos com muitíssimas capas aos nossos pés. Entretanto, dormimos tranquilos porque não foram nossas mãos que lançaram as pedras.

Que o Senhor tenha misericórdia de nós.