quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Com as capas aos pés

Quando meu filho mais velho estava recém-nascido, precisei ir à cidade vizinha resolver um problema. Como tinha alguma pressa, tomei o primeiro ônibus que passou com destino ao lugar onde eu queria ir. A linha daquele ônibus, passava por um desvio para poder atender a uma comunidade que ficava distante da estrada principal, isso consumia quase uns quinze minutos, mas mesmo assim achei que seria melhor pegar aquele ônibus do que ficar esperando indefinidamente um outro.

Tudo corria bem até que, na saída da tal comunidade a que me referi, um homem ferido e ensanguentado entrou pela porta da frente gritando com o motorista. Ele tinha uma das mãos dentro do casaco, dando a impressão que estaria armado. Os passageiros entraram em pânico. O homem mandou que o motorista fechasse as portas do ônibus e saísse daquele lugar, mas logo em seguida uma pequena multidão cercou o ônibus exigindo que o homem ensanguentado fosse posto para fora. As pessoas de fora do veículo gritavam para que nós ficássemos calmos, que ele não estava armado. Nesse momento, alguns passageiros acionaram as saídas de emergência do ônibus e começaram a saltar pelas janelas. O motorista abriu a porta traseira e os passageiros restantes saíram apressados. Ficaram somente o motorista e o homem ensanguentado.

Algumas pessoas da multidão tentavam invadir o ônibus enquanto outros vociferavam que ele era um ladrão responsável por alguns roubos que vinham acontecendo naquela localidade. O motorista tentou retirar o veículo do local, mas a multidão o impedia. Por fim, o cobrador do ônibus nos levou para um lugar afastado para que pudéssemos prosseguir viagem no próximo ônibus que passasse. O clima ficava cada vez mais tenso. O linchamento daquele homem se tornava cada vez mais evidente. Como não tinha um telefone comigo, perguntei quem teria um para ligarmos para a polícia. Uma das passageiras respondeu que seria mais seguro para nós não interferir. Mesmo assim perguntei novamente se alguém tinha um telefone, mas as palavras daquela mulher encheram o coração dos passageiros de medo. Ninguém emprestou o telefone.

Antes que o pior acontecesse, outro ônibus resgatou os passageiros e, antes de sairmos, ainda pude ver uma ambulância dos bombeiros se aproximando do local onde o homem tinha sido capturado. Não sei o que foi feito dele, mas não creio que ele tenha sobrevivido à fúria daquela multidão.

Isso me incomodou durante muito tempo e me incomoda até hoje. Também me lembrou de um episódio envolvendo Saulo e Estêvão:

E, expulsando-o da cidade, o apedrejavam. E as testemunhas depuseram as suas capas aos pés de um jovem chamado Saulo.” (At 7:58)

Saulo havia se voluntariado a segurar as vestes daqueles que estavam a apedrejar Estêvão em uma atitude de aprovação sobre a decisão daqueles homens. Saulo, veladamente, decidiu apedrejar Estêvão sem lançar nenhuma pedra. Ele simplesmente consentiu.

Minha reflexão hoje me leva a pensar em quantas vezes consentimos na “morte” daqueles que julgamos indignos do Reino.

Quantas palavras liberamos a respeito do suposto trabalho vão das pessoas que tentam resgatar os destruídos por Satanás. Quantas vezes meneamos a cabeça e vaticinamos: “- Não tem jeito!”, quando o assunto é o sujeito moralmente incorreto, a quem alguém tenta insistentemente apresentar as portas do Reino.

Seguramos as capas dos apedrejadores quando nos omitimos sobre os pesados fardos que eles lançam sobre os ombros daqueles que querem a simplicidade do servir a Cristo e, ao mesmo tempo, negam a esses simples o direito de se aproximarem de Jesus e receberem do Mestre o jugo suave que Ele nos garante.

Concordamos com o apedrejamento público daqueles que ousam reconhecer suas falhas e assumir seus pecados condenando-os ao desprezo e esquecendo-nos de que fomos ensinados a perdoar setenta vezes sete, simplesmente por não lembrarmos aos apedrejadores que a misericórdia vale mais que o sacrifício.

Vivemos com muitíssimas capas aos nossos pés. Entretanto, dormimos tranquilos porque não foram nossas mãos que lançaram as pedras.

Que o Senhor tenha misericórdia de nós.

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