
Na infância meus primos e tios me chamavam de cientista maluco, dada a natureza de algumas “brincadeiras” das quais eu gostava. Eu me lembro de perder horas catando folhas das árvores que estavam no quintal e macerando e misturando seus sumos para tentar “fabricar” perfume.
Lembro também que os documentários sobre ciência ou vida animal que eu assistia na TV me davam ideias para novas “experiências”. Certa vez eu tentei fabricar um anestésico de formigas a base de folhas de caju depois de ter visto uma tribo da Amazônia fazer isso. Funcionou, mas não teve muita graça.
Minha inclinação e criatividade para essas brincadeiras eram tantas que, num certo natal, ganhei de uma tia um brinquedo chamado “O pequeno químico” (um kit de tubos de ensaio, produtos químicos e um livrinho com as experiências que poderiam ser feitas).Até aí, nada demais.
Meu apego pela ciência começou a ficar perigoso quando li no meu livro de ciências sobre o eletroímã. Havia uma figura ilustrando a explicação em que um fio estava enrolado ao redor de um objeto metálico e ligado a uma fonte de eletricidade. Como sempre, me pus a fazer o experimento. Consegui o fio em um quartinho de ferramentas dos meus tios e o objeto metálico disponível era uma peça de uma velha bicicleta desmontada. Como a peça tinha o formato de algo semelhante a “meio corpo” , decidi incrementar o experimento construindo a outra metade do corpo do boneco. Ajudado por um primo mais novo que eu, enrolei pacientemente o fio ao redor do corpo daquela criatura metálica e desencapei duas pontas para ligar na tomada da varanda. Na hora de conectar os fios, meu primo me chamou a atenção para calçar umas sandálias de borracha. Quando encostei os fios na tomada, só me lembro de um clarão na altura do meu rosto e da minha mãe (já certa de que era uma travessura minha) gritando da cozinha:
- Garoto!
Em seguida ela apareceu na porta, quando a vi, olhei para meu primo-cúmplice (que rolava no chão da varanda de tanto rir) e corri para escapar das chineladas que estavam por vir. Curiosamente minha mãe não disciplinou com vara nessa ocasião, mas levei uma bronca dela e ,pior, uma do meu pai por ter colocado a segurança de nossa casa em risco. Anos mais tarde minha mãe confessou que não me deu uma surra por ter visto meu rosto pálido de pavor pela besteira que acabara de fazer. Ela concluiu que eu tinha aprendido a lição.
Esse episódio fez com que minha reputação de cientista maluco durasse mais alguns anos, correram até boatos de que minha intenção era fazer a “criatura metálica” andar. Volto a afirmar, eram só boatos.
Minha criatividade saiu arranhada depois disso. Arranhada, não destruída!
Outro dia, lendo o livro dos Juízes, inevitavelmente me detive na narrativa de Gideão e ouvi o Espírito Santo me falando suavemente:
- Que sujeito criativo!
Muito me intrigou aquela revelação, pois sempre havia nutrido por Gideão a imagem de um homem corajoso, um excelente estrategista. Nunca havia pensado nele como alguém criativo. Fui investigar a passagem em que Deus se apresenta a Gideão:
“Então o anjo do Senhor veio, e sentou-se debaixo do carvalho que estava em Ofra e que pertencia a Joás, abiezrita, cujo filho Gideão estava malhando o trigo no lagar para o esconder dos midianitas. Apareceu-lhe então o anjo do Senhor e lhe disse: O Senhor é contigo, ó homem valoroso.” (Jz 6: 11 – 12).
Deus me chamou a atenção para a palavra “valoroso”. No texto hebraico essa palavra corresponde a “Chayil”, que significa “homem de diferentes recursos”. Passei a olhar para Gideão procurando ver nele a criatividade que Deus havia visto. E encontrei.
Quando todo o seu povo se escondia em cavernas por medo dos inimigos midianitas, Gideão salvava o trigo que podia malhando-o em um lagar (o último lugar em que os midianitas procurariam por trigo). Uma ideia, no mínimo, criativa.
Após receber do Senhor a ordem de libertar o povo da opressão inimiga, Gideão consegue reunir um exército numeroso, mas Deus, criativamente, o manda selecionar o povo:
“E Gideão fez descer o povo às águas. Então o Senhor lhe disse: Qualquer que lamber as águas com a língua, como faz o cão, a esse porás de um lado; e a todo aquele que se ajoelhar para beber, porás do outro.” (Jz 7: 5).
Um método curioso de se escolher um exército, porém Gideão não o questiona. Só uma pessoa que pensa criativamente, entende a criatividade do Senhor.
Por fim, a estratégia usada para vencer os midianitas não pode ser chamada de convencional. Seguro em Deus que a vitória seria sua, Gideão pode soltar a criatividade e crer que ganharia a batalha sem perder um só soldado, sem brandir uma só espada. Como toda pessoa criativa, ele se vale dos recursos ao seu redor. Seus trezentos homens estavam acampados nos montes acima dos midianitas, uma posição que os favorecia, mas, com trezentos homens, não os levaria à vitória. Deus deixou Gideão à vontade para usar uma estratégia criativa:
“Então dividiu os trezentos homens em três companhias, pôs nas mãos de cada um deles trombetas, e cântaros vazios contendo tochas acesas, e disse-lhes: Olhai para mim, e fazei como eu fizer; e eis que chegando eu à extremidade do arraial, como eu fizer, assim fareis vós. Quando eu tocar a trombeta, eu e todos os que comigo estiverem, tocai também vós as trombetas ao redor de todo o arraial, e dizei: Pelo Senhor e por Gideão!” (Jz 7: 16 – 18)
Gideão esperou a hora da troca da guarda (um momento tenso para quem está em guerra) e usou sua posição privilegiada para aterrorizar os midianitas com trezentas trombetas sendo tocadas ao mesmo tempo e as luzes de trezentos homens enfileirados (aparentemente descendo dos montes). Certamente os inimigos acreditaram que as três fileiras de cem homens descendo a montanha traziam atrás de si outros milhares, pois o som de trezentas trombetas tocadas no alto de um monte produziriam um efeito acústico ensurdecedor no fundo do vale.
Os filhos de Israel saíram vitoriosos porque Deus criou as condições para que um homem pudesse usar o que havia de melhor em si. Os recursos para libertar o povo já estavam nas mãos de Gideão. Deus disse a ele: “Vai nesta tua força...”, ou seja, a criatividade necessária para vencer já estava dentro dele. Deus despertou o melhor em Gideão e garantiu sobrenaturalmente a vitória.
Isso me faz crer que Deus nos quer atentos a oferecer a Ele nossas melhores qualidades, nossos dons, nossos talentos; mesmo que isso nos traga riscos, seja o medo de um inimigo que nos cerca ou o risco de um choque elétrico.
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