
Sempre admirei as pessoas que aprendem coisas sozinhas.
Desde muito pequeno prestava atenção na minha mãe confeitando bolos e achava incrível como ela, sem nunca ter feito nenhum curso ou treinamento naquilo, conseguia criar bolos do jeito que as pessoas lhe encomendavam ou do jeito que lhe mostravam nas revistas que exibiam decorações de festas de aniversário. Era simplesmente fascinante ver que ela fazia aquilo só prestando atenção nas coisas ou vendo as receitas pela televisão.
Mais admirável ainda foi um senhor que conheci ainda na minha infância. Não sei ao certo se seu nome era mesmo aquele, mas as pessoas o chamavam de Sr. Gentil e, como o nome sugeria, ele era uma pessoa muito agradável de se estar perto. Deixe-me contar por que ele aparece nesta história.
Minha família era tradicionalmente católica, então, a primeira formação religiosa que nós recebemos foi a católica. Eu, meu irmão e minhas primas frequentávamos uma comunidade de base, muito frequentes nas décadas de setenta e oitenta pela escassez de padres. Nessas comunidades os “leigos” assumiam funções delegadas pelos representantes da paróquia e o padre (que só tinha como acompanhar a comunidade, às vezes, quinzenalmente) resolvia os assuntos pendentes que fugiam ao poder de decisão dos paroquianos.
Em um ambiente em que as pessoas tinham que se ouvir mutuamente era comum que todos fossem convidados a opinar e nas celebrações em que o padre não estava presente os próprios paroquianos se encarregavam da pregação da Palavra. Alguns dos palestrantes abriam espaço para que outras pessoas presentes pudessem compartilhar aquilo que lhes tinha sido mais importante. Sempre que isso acontecia, o Sr. Gentil pedia para participar.
Ele era um homem de uns cinquenta anos (mas aparentava ter muito mais por causa da dura vida de agricultor que levava no interior), de semblante calmo e sorridente. Seu visual era muito parecido com as representações que os comediantes costumam fazer das pessoas do campo: camisa xadrez, calças dobradas na altura da bainha, barba sempre por fazer e um sotaque característico de um brasileiro interiorano.
Como eu ia dizendo, Sr. Gentil sempre gostava de compartilhar o que havia entendido da leitura da Palavra, ou melhor, das Palavras. Eu explico: nas celebrações eram lidos três textos da bíblia e mais um salmo. A primeira leitura sempre era um texto do antigo testamento, geralmente um profeta maior; a segunda leitura era um texto do novo testamento, frequentemente uma das epístolas de Paulo e a terceira leitura era, invariavelmente, uma passagem dos evangelhos. Quando o pregador da celebração fazia o convite às pessoas que gostariam de falar à igreja, o Sr. Gentil aguardava sua vez pacientemente e dava algumas palavras sobre a primeira leitura, depois sobre a segunda leitura e sobre o evangelho. Até aí não há nada de admirável, e não seria mesmo se não fosse o fato de que ele era completamente analfabeto (ou como ele mesmo dizia, sem leitura nenhuma).
Quando soube que o Sr. Gentil não sabia ler, passei a observá-lo: durante as leituras da Palavra ele fechava os olhos e parecia estar dormindo, entretanto ele era capaz de elaborar um breve esboço de cada uma das passagens mencionando de qual leitura era extraído o comentário que estava fazendo. Ainda criança, aquilo me causava uma admiração tão grande que uma vez perguntei a ele como ele conseguia fazer tal coisa. Sua resposta foi tão simples quanto sua maneira de explanar os comentários da Palavra: Eu só ouço e presto atenção!
Ele simplesmente ouvia com atenção. Ele aprendia pelo ouvir.
Daquele dia em diante, passei a dar mais valor ao que era lido e pregado e, com isso, a minha curiosidade sobre a Palavra de Deus aumentou e tive que ler a Bíblia para saciar a minha “curiosidade” e passei a entender verdades que me conduziram, na idade adulta, a um encontro verdadeiro com Jesus Cristo. Entretanto as duas passagens que mais me constrangeram a tomar minha decisão de me converter ao Senhor Jesus foram Rm 10: 17 e Tg 1:23-25.
“a fé é pelo ouvir e ouvir a Palavra de Cristo”
“Pois se alguém é ouvinte da palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem que contempla no espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era. Entretanto aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra, este será bem-aventurado no que fizer.”
Quando nos tornamos ouvintes atentos da Palavra, descobrimos as verdades da lei perfeita da liberdade, entendemos que só em Jesus há a verdadeira vida e aprendemos o caminho para um novo tipo de relacionamento com Ele: o ouvir da voz do próprio Deus em nosso coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário